Fernando da Silveira - O paradoxal Vinicius de Moraes
Fernando da Silveira - Atualizado em 01/02/2022 18:02
“O homem mata tudo o que ele ama”. — Oscar Wilde.
Como no nosso mundo o mal está imperando, é bom lembrar de Vinicius de Moraes, que em sua mocidade foi ligado à renovação católica da década de 30 do século XIX. Mesmo com o perigoso processo de sexualização da cultura ocidental denunciado por Pitirim Sorokin, nos Estados Unidos, Vinicius se desloca para um sensualismo erótico e para um ateísmo, que se vê nitidamente quando elogiou o seu amigo Otto Lara Resende.
A sua incredulidade está bem clara quando exclamou, na crônica “História Triste”: “Bom Otto. Se houvesse o céu, ele já estava com o seu lugar garantido”. Sendo bom esclarecer que o elogio decorreu de Otto Lara Rezende, ao saborear um picolé na rua, ter ficado tão penalizado com uma menininha paupérrima, que a fez se deleitar também com a iguaria doce feita de suco de frutas.
O elogio de Vinicius a Otto mostra que ele jamais esteve alheio aos atos de bondade, dele não escapando até os corriqueiros. O que me leva a acreditar, que o grande enamorado da beleza, não perdeu totalmente o Belo de sua alma, tanto assim que inspirado por Deus, mesmo dele querendo se distanciar, deixou escapar, em sua crônica “Dia de Sábado”, este lance poético de amor cristão: “Por que hoje é Sábado, comprei um violão para minha filha Suzana, a fim de que ela aprenda dó maior e cante um dia, ao pé do leito de morte do seu pai, a valsa “Lágrimas de Dor” de Pixinguinha — e seu pai possa assim cerrar para sempre os olhos entre prantos e galgar a eternidade ajudado pela mão negra do grande valsista”...
Para quem sabe ler, Vinicius levou para a sua filha, ainda que sem querer, a ideia luminosa de uma eternidade que perpetua o Bem. E não a mentira demoníaca de uma eternidade vazia, de uma eternidade do nada, que seria, no entendimento dos incrédulos, o inevitável fim dos seres humanos. Mas, sim, a eternidade que dá sentido à vida humana. A eternidade com Deus. Quem sabe, se Vinicius, com tal gesto para sua filha, não vislumbrou o nosso Criador e Salvador? Tudo como se fosse um recado aos irascíveis homens do nosso tempo alertando-os de que o Bem é aconchegante e que o mal é extremamente burro. Daí o dever cristão de buscar e proclamar o lado bom de todos os seres humanos. Cabendo-nos, por exemplo, divulgar a ternura que Vinicius também devotava à sua genitora. Momento de sentir e tornar público amorosamente outro indício de que ele, embora altamente mulherengo, era às vezes também sujeito às faíscas, às fagulhas do singelo amor cristão a nos levarem aos fundamentais, aos essenciais valores familiares para se chegar à autêntica felicidade.
Tanto assim que, na crônica “Dia de Sábado”, não se restringiu à filha Suzana, voltando-se com a mesma força para sua Genitora ao escrever: “Por que hoje é Sábado, desejarei ouvir minha Mãe cantar velhas canções perdidas, quando a tarde deixava um alto silêncio na casa vazia de tudo que não fosse a sua voz infantil”. Inegavelmente, Vinicius se referia ao doce murmurar amorável, que não nos deixa matar o que de fato amamos. E que nos leva a refutar Oscar Wilde dizendo peremptoriamente, que só deixamos de amar algo que, na verdade, não amamos. E como o nosso Bom Deus ama todos os seres humanos, Ele jamais nos deixa de socorrer. E nós, na Plenitude do Bem Absoluto, O amaremos naturalmente acima de tudo e de todos, porque ao chegarmos ao Céu, O veremos na Plenitude do Bem, do Amor Espiritual, do Belo Espiritual e do Poder Invencível e Fecundo de tudo que existe eternamente. É o que sempre pensei ao longo de minha vida, pois, embora veja a importância fundamental da ciência, jamais deixei de lado a intuição, que nos faz discernir lucidamente como seres humanos a ideia de um Deus de Amor.
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*Fernando da Silveira é jornalista, professor e membro da Academia Campista de Letras (ACL).

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