Cinema - O festival da inteligência
Edgar Vianna de Andrade 10/01/2022 19:43 - Atualizado em 10/01/2022 19:43
'O festival do amor'
'O festival do amor' / Divulgação
Quase todos os filmes de Woody Allen se parecem, mas não cansam. Ele fala de suas preferências, de suas neuroses, do seu medo da morte, da tragédia grega que é a vida, de seus amores, de sua vaidade e até da convicção de se considerar superior à média das pessoas que o rodeiam. Allen é um cineasta europeu extraviado nos Estados Unidos, mais precisamente em Nova Iorque. Ele detesta a costa oeste dos EUA. Tem ojeriza por Hollywood. Abomina o cinema norte-americano. Mas tudo com humor fino e ácido.
Em “O festival do amor”, ele escala o experiente ator Wallace Shawn para representar o papel de Woody Allen. Allen estreou no cinema como roteirista e ator. Desde então, ele redige os roteiros dos filmes que dirige, tendo ocupado o papel principal neles, seja com sua presença ou com sua voz. Como ator, ele é insubstituível, pelo menos nos seus filmes. Ninguém é tão dramático, tão enfático, tão patético e tão irônico quanto ele em se representar.
“O festival do amor” é passado em San Sebastian, Espanha, no famoso festival de cinema. Shawn faz o papel de Mort Rifkin, professor de cinema aposentado que tenta escrever uma obra-prima universal. Fora do cinema, Allen não vai muito longe. Ele sabe disso. Sua autobiografia não foi bem recebida. Suas obras máximas em literatura são seus roteiros. Mort é casado com Sue (Gina Gershon), uma atriz que vai ao festival apresentar seu filme. Lá, ela reencontra um diretor premiado que está sendo homenageado e se envolve com ele. Mort, por sua vez, sentindo-se marginalizado por um rival que ele considera meio charlatão, acaba também alimentando admiração por Jo Rojas (Elena Anaya), médica espanhola, mas que já viveu em Nova Iorque e Paris. Ela é casada com um pintor temperamental e imaturo. Seu casamento chega ao fim por causa do diretor charlatão, e sua atração pela médica não vai adiante.
No meio de tudo, Mort, o alterego de Allen, dá um show de conhecimento sobre o cinema europeu. Mais ainda, ele se apropria de cenas de “O anjo exterminador”, de Buñuel, travando um diálogo com a morte do filme “O sétimo selo”, de Bergman. Representada por Christoph Waltz, a morte perdeu a arrogância de vitoriosa. Afasta-se do jogo de xadrez por ter outros afazeres, diz que não sabe quando virá buscar Mort/Allen e ainda lhe faz algumas recomendações para viver mais e viver bem.
Tanto no começo como no fim do filme, Mort conversa com um psicanalista que nada fala. Allen detesta psicanalistas. O filme é uma homenagem ao cinema europeu, à era de ouro dos cineastas daquele continente. Ela pode ser limitada entre os anos de 1945 e 1975. Enfim, Allen traz o cinema para a dimensão humana. Elena Anaya, que trabalhou em “Mulher Maravilha”, volta a ser uma mulher comum, com qualidades e sofrimentos de qualquer ser humano. Num mundo de super-heróis, carecemos de filmes humanos. Mas Allen não facilita. Se o espectador gosta de cinema para se divertir, não apreciará os filmes de Allen.

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