Arthur Soffiati - O movimento modernista em Minas Gerais
Arthur Soffiati - Atualizado em 10/01/2022 19:25
Escrevo pelo menos dois artigos em alusão ao centenário da Semana de Arte Moderna, transcorrida em 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, em São Paulo capital. Saio do eixo Rio-São Paulo para examinar a efervescência modernista em Minas Gerais e em Pernambuco.
Tomando por base os livros “O movimento modernista em Minas”, de Fernando Correia Dias (Brasília: Ebrasa, 1971), e “O movimento modernista verde, de Cataguases-MG: 1927-1929”, de Rivânia Maria Trotta Sant’Ana (Cataguases: Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2008), é possível uma análise mínima do movimento modernista em Minas Gerais. Ele se concentrou em Belo Horizonte, mas se manifestou também em Cataguases de maneira expressiva, em Itanhandu e em Ubá. Em Belo Horizonte, reuniu-se em torno de “A Revista”, com apenas três números, em 1925. Em Itanhandu, circulou a revista “Elétrica” em 1928-29, e em Ubá, a revista “Montanha”, com apenas um número. Já em Cataguases, foi lançada a revista “Verde”, uma das mais famosas do modernismo. É bastante curioso o movimento em Cataguases, uma pequena cidade da Zona da Mata, na década de 1920, reunindo não apenas colaborações de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, porém mantida com escritores e artistas da própria cidade.
Belo Horizonte é uma cidade com desenho planejado para sediar a capital do estado de Minas Gerais. Ela foi inaugurada em 1897. Logo, acorreram para elas pessoas de cidades do interior, sobretudo jovens que buscavam cursos para completar seus estudos. Na capital, o grupo de jovens que impulsionariam o modernismo mineiro era, na sua maioria, formado por funcionários públicos. Alguns deles, paralelamente, colaboravam com a imprensa.
Havia um clima de renovação que já impregnava a capital de Minas. Não se pode atribuir o início do modernismo à exposição de quadros de Zina Aita, em 1920, na capital mineira. Ao contrário de Anita Malfati, os quadros de Zina conservavam um traço convencional e retratavam um figurativismo bastante decorativo.
Parece que Carlos Drummond de Andrade foi o primeiro modernista explícito em Minas Gerais. Ela já conhecia alguns autores modernistas em 1918. Em 1921, ele publicou seu primeiro poema modernista. Drummond faz parte de um grupo com traços em comum. Seus integrantes são da mesma geração e nasceram na classe média. Todos ou quase todos saem de cidades do interior e fixam-se em Belo Horizonte. Todos ou quase todos são funcionários públicos e colaboram com a imprensa. Os pontos de encontro deles eram a Livraria Alves e o Café Estrela, ambos na rua Bahia.
Em 1921, Drummond inicia sua atividade literária no “Diário de Minas”. Seus primeiros poemas modernistas datam desse ano. Eles já representavam um passo à frente em relação ao parnasianismo e ao simbolismo tradicionais ainda muito praticados em Minas Gerais. Parece que 1921 é um ano marcante. Drummond, Milton Campos, Abgar Renault, Emílio Moura, Alberto Campos, Mário Casassanta, João Alphonsus, Batista Santiago, Aníbal Machado, Pedro Nava, Gabriel Passos, João Pinheiro Filho tornam-se amigos. Desse grupo, alguns dedicaram-se à literatura de maneira permanente: Drummond, João Alphonsus, Emílio Moura, João Dornas Filho.
Esses intelectuais inquietos e renovadores de Minas Gerais receberam influência da Semana de Arte Moderna, cujo centenário se comemora neste ano. Em 1962, Drummond esclareceu: “Tanto quanto posso lembrar-me, o pequeno grupo de rapazes mineiros ‘dados às letras’ não tomou conhecimento [da Semana de Arte Moderna]. Explica-se: só por acaso líamos jornais paulistas, e os do Rio não deram maior importância ao fato, se é que deram alguma. O que era escândalo na Capital de S. Paulo, ou em certo meio de lá, em 1922, não chegava a atingir BH, quando só a Central do Brasil ligava as duas cidades, e a placidez da vida mineira podia ser comparada à ‘toalha friíssima dos lagos’ do nosso Parque Municipal. E nós éramos uma rusga nessa toalha serena“ (“A Semana e os mineiros”. Rio de Janeiro: “Correio da Manhã”, 21 de fevereiro de 1962).
O primeiro encontro dos mineiros com os modernistas de São Paulo só ocorreu 1924, quando um grupo de escritores e artistas empreendeu a famosa viagem de descoberta do Brasil acompanhando o escritor franco-suíço Blaise Cendrars. O grupo era formado por Mário de Andrade (que já havia feito uma solitária viagem a Mariana, em 1919, para conhecer pessoalmente o poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens), Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, René Thiollier, Goffredo Telles e Olívia Guedes Penteado. Além de conhecer as cidades históricas de Minas Gerais, o grupo desejava assistir às cerimônias da Semana Santa. A viagem foi noticiada pela imprensa mineira. O grupo paulista travou contato com os intelectuais de Belo Horizonte. Não demorou muito tempo para que os jovens mineiros percebessem em Mário de Andrade uma grande liderança. De fato, ele se tornou muito querido e respeitado pelo grupo mineiro.
O ponto inicial do modernismo em Minas foi “A Revista”, com apenas três números publicados em 1925. Escreviam nela autores mineiros e colaboradores. Mário de Andrade aparece no primeiro número. Em 1928, ocorre a primeira dissidência entre os intelectuais, como o lançamento da revista “Leite crioulo”. Colaboraram nela Rosário Fusco, João Alphonsus, Ascânio Lopes, Luís da Câmara Cascudo e Eneida. A revista criticava o elitismo dos modernistas e exaltava a cultura afro. A exaltação era postiça. “Leite crioulo” acabou se transformando em suplemento de “O Estado de Minas”.
Em 1927, foi lançada em Cataguases a revista “Verde”, uma das mais famosas publicações mineiras de literatura com a participação de Enrique de Resende, Martins Mendes, Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Guilhermino César. Cataguases era então uma cidade provinciana. É apreciável que um pequeno núcleo urbano da Zona da Mata conseguisse expressar tão bem o espírito do modernismo. É bem verdade que vários colaboradores da revista, embora nascidos na cidade, viviam em Belo Horizonte. Houve também grande colaboração dos intelectuais paulistas. Mas de Volta Grande, lugar pouco conhecido, saiu em direção a Cataguases o cineasta Humberto Mauro, que se tornaria uma referência modernista no cinema.
Outros nomes foram surgindo em Minas Gerais, como Ciro dos Anjos, Anibal Machado, Henriqueta Lisboa, Francisco Lys (em Juiz de Fora), Francisco Inácio Peixoto (em Cataguases). O grupo modernista mineiro se dissolveu em 1930. Drummond permaneceu em Belo Horizonte até 1934. A maioria dos modernistas mineiros transferiu-se para o Rio de Janeiro, então capital federal. Muitos nomes se integraram à literatura brasileira como autores consagrados.

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