Cinema - A desconstrução da Matrix
*Felipe Fernandes - Atualizado em 10/01/2022 19:06
Banner de 'Matrix Resurrections'
Banner de 'Matrix Resurrections' / Divulgação
Lançado em 1999, “Matrix” impressionou com sua mistura de conceitos e ideias na construção de um universo instigante, cheio de simbolismos, grandes personagens, além de ser um verdadeiro espetáculo visual.
Suas continuações trouxeram novos conceitos, estes mais preocupados em expandir aquele universo, abraçando de vez o aspecto espetacular da obra, com cenas de forte senso estético. A trilogia se encerrou de forma explosiva, com um terceiro longa que funciona como um grande clímax, mas com um final covarde, que não encerrava muita coisa.
Eis que, 18 anos depois, Lana Wachowski retorna sozinha (sua irmã optou por não se envolver) para o universo de “Matrix”, em um filme que funciona como remake/continuação de toda a trilogia original. Uma proposta ousada e complexa, cheia de auto referências, metalinguagens e novos conceitos na desconstrução de uma nova Matrix.
O longa abre praticamente repetindo o clássico de 99, acompanhamos a história com pequenas modificações, sobre um novo ângulo e sob o olhar de novos personagens. Essa introdução causa estranheza e já introduz a proposta desse retorno à franquia. Logo somos apresentados a Neo (Keanu Reeves), que está misteriosamente vivo e novamente preso na Matrix, mas agora como um prestigiado designer de games, que transformou a história da trilogia original em um game revolucionário.
Esse primeiro ato traz a Matrix dentro da Matrix, um conceito de boneca russa que funciona bem dentro daquele universo. A continuação de um novo jogo, forçando Neo a retomar sua obra, se torna o campo perfeito para as metalinguagens, com Lana criticando a indústria (do cinema e dos games) e pondo para fora muita coisa que tanto ela quanto a irmã guardaram por todos esses anos.
Indo além da metalinguagem, o filme tem uma estrutura que revisita os três longas anteriores. O longa resgata personagens marcantes, mas com atores e características diferentes, uma decisão que não funciona e mais distrai do que enriquece a história. O mesmo vale para os vários e breves flashbacks que saltam na tela. Um artifício que denota quanto o filme é dependente da trilogia original, cobrindo alguns furos do roteiro.
A ideia de desconstrução desse novo universo permeia toda a história. A nova Matrix não traz a tonalidade verde tão marcante nos primeiros longas. Nessa nova atualização, a reprodução do mundo é ainda mais real, tornando mais difícil distinguir.
Até mesmo a questão da escolha é questionada, em uma cena que traz um aspecto muito interessante (quase experimental), com Neo precisando fazer novamente sua escolha, enquanto ao fundo as imagens da mesma cena do longa de 99 são projetadas, como um lembrete do peso de sua decisão.
O segundo ato finalmente traz alguma consequência dos acontecimentos do final de Revolutions. A ideia de um mundo com máquinas sencientes que coabitam pacificamente, mesmo que a guerra não tenha de fato terminado, é bem interessante, mas nunca bem explorada. O mesmo vale para a ideia da religião voltada para Neo (o conceito messiânico é muito forte nos longas anteriores), que é introduzida, mas fica só como uma ideia jogada, com potencial para ser desenvolvida em um projeto futuro.
Esse segundo ato é uma grande preparação para o terceiro ato, que funciona como um grande clímax. Assim como no terceiro longa, eles lutam em duas frentes, com a luta na Matrix sendo praticamente contra todos. Uma pena que todas as cenas de ação do filme sejam extremamente burocráticas e desinteressantes, perdendo uma das características mais marcantes da franquia.
O longa adiciona alguns novos personagens bem interessantes, com destaque para Bugs (Jessica Henwick) e o Analista (Neil Patrick Harris). Já as novas versões de Morpheus (Yahya Abdul-Mateen II) e do Agente Smith (Jonathan Groff) decepcionam. O texto não ajuda, e são personagens vivos demais na memória do público em suas versões clássicas.
Outro problema do roteiro é a parcela da história dada a Trinity (Carrie-Anne Moss). O amor entre Neo e Trinity sempre foi o grande propósito do escolhido e um grande motivador nas continuações. Aqui, esse elemento é ainda mais valorizado, mas, como Trinity precisa ser liberta, a personagem mal aparece, mesmo que o final traga uma reviravolta interessante, que dialoga diretamente com suas criadoras e com os novos tempos.
Com um desfecho muito mais otimista que a trilogia original, “Matrix Ressurections” é definitivamente um filme inesperado, por sua abordagem ousada. Mas, para um filme que busca se reinventar através de uma desconstrução, ele depende demais da trilogia original para se desenvolver. É como se a nova Matrix fosse constantemente “assombrada” pelos eventos do filme original, sendo essa uma metalinguagem involuntária da franquia.

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