Existem alguns futuros diante do atual presente, e quase todos parecem sombrios. Daí aparecerem tantas distopias na literatura atual de todos os países. Ao contrário da utopia, que vislumbra um futuro bom e até mesmo perfeito, a distopia é um futuro aterrador. A primeira grande distopia foi escrita por Mary Shelley, em 1826, com o título de “O último homem”. Ela é a autora de “Frankenstein”, que não deixa de ter um forte traço distópico ao mostrar os perigos da ciência.
Vivemos hoje num mundo com 8 bilhões de habitantes, sendo que quase 1 bilhão vive abaixo da linha de pobreza, enquanto 1,1% detém riqueza com sete dígitos em dólares. Trata-se de uma brutal desigualdade social que ameaça mesmo os mais ricos. Ao mesmo tempo, a distribuição de renda se torna difícil por conta dos Estados nacionais. Não há um órgão central que promova uma distribuição razoável, pois a justa parece utópica.
E as desigualdades sociais ameaçam também a democracia, esse frágil sistema político que tem mais ou menos um século de existência. Fala-se na democracia ateniense, mas ela não era uma verdadeira democracia. Fala-se na democracia dos Estados Unidos, mas ela também é frágil. A mais ampla democracia não é aquela que garante liberdade de expressão e de imprensa ao lado da organização livre de partidos e de alternância no governo. Essa democracia de superfície está sempre ameaçada por não resolver minimamente as questões sociais. Sejamos francos: para uma população esfomeada, liberdade é um luxo que só interessa a ricos e intelectuais. Os ricos desejam liberdade para ganhar mais, e os intelectuais, para expressar suas ideias. Regimes autoritários podem perfeitamente atender aos reclamos da população, como fez a China. A social democracia é o caminho mais adequado, sempre lembrando que é um regime sujeito a ataques.
Para economistas, sociólogos e cientistas políticos que só enxergam a sociedade humana, distribuição de renda e democracia dependem de uma série de fatores restritos a seres humanos. Mas, o futuro da humanidade deve considerar profundamente hoje os problemas ambientais. As mudanças climáticas são a principal ameaça à Terra. Não que elas possam acarretar a extinção da espécie humana. Contudo, não há mais dúvida de que chuvas torrenciais, secas prolongadas, tempestades de vento e incêndios estão ganhando mais ímpeto com as mudanças climáticas. Não há mais dúvida de que elas estão causando grandes prejuízos econômicos para aqueles que as provocam e para os pobres que as sofrem. Somos prisioneiros de um sistema econômicos à base de combustíveis fósseis. As 26 conferências mundiais sobre mudanças climáticas trouxeram poucos resultados práticos. Está difícil libertar-se dessa armadilha.
As mudanças climáticas empobrecem os ecossistemas e a biodiversidade na medida em que provocam grandes incêndios, como na Austrália, na Califórnia, na Amazônia, no Pantanal etc. Sabe-se que o fogo tem origem humana em grande parte, encontrando ambiente favorável causado pelas severas estiagens. O empobrecimento dos ecossistemas e da biodiversidade representa também o empobrecimento dos mais pobres. Ao contrário do que declarou Joaquim Leite, ministro do Meio Ambiente do Brasil, floresta não é sinônimo de pobreza. Sabe-se hoje que a Amazônia sustentou com folga cerca de 10 milhões de habitantes antes da chegada dos europeus à América. Só para uma economia capitalista padronizada, a floresta representa pobreza em qualquer parte do mundo.
É também assustadora a poluição orgânica causada pelos esgotos em comunidades pobres em todo o mundo. A aceleração dos ciclos de fósforo e nitrogênio é um dos graves componentes da grande crise ambiental atual. Por maior que seja um rio, como o Solimões ou o Negro, por exemplo, a poluição orgânica é capaz de afetá-lo. Basta ver a coloração da água em Manaus. Visível ou invisível, essa poluição causa doenças agudas e crônicas, sendo responsável por internações e mortes. Ela é talvez o maior indicador de pobreza. O mundo clama por saneamento básico.
Mas, o solo e as águas de rios e mares estão enfrentando agora a poluição inorgânica, aquela causada por embalagens lentamente degradáveis, como o plástico. Lá onde ninguém habita, o plástico está presente. Ele compromete a vida marinha e contribui para entupir rios e ruas. Qualquer elevação de nível nos rios, hoje transformados em valas, mostra a grande concentração de embalagens plásticas. Elas exemplificam o desperdício no princípio e no fim. No princípio, com uso de minerais fósseis. No fim, com uma poluição sem precedentes na história da Terra.
Mais um componente da atual crise ambiental preocupa: a excessiva impermeabilização do solo. As cidades crescem sobre os ambientes nativos e rurais. As casas dão lugar a arranha-céus. As ruas de terra ou calçadas com pedras acabam asfaltadas. A produção de cimento, asfalto e alumínio é uma das marcas da crise ambiental da atualidade.