Para relativizar a importância da Semana de Arte Moderna paulista, o professor gaúcho de literatura Luís Augusto Fischer invoca uma reflexão de Walter Benjamin sobre o passado como um reservatório de futuros potenciais, dos quais um acontece e os outros não, pois o presente é a concretização de um dos muitos futuros do pretérito possíveis. Retrocedamos 500 anos no tempo. No século XV, o ocidente lançou-se ao mar, tendo como resultado presente a globalização atual. Pelo raciocínio de Benjamin, o presente poderia ser o futuro de uma possível expansão chinesa ou inca ou indiana ou japonesa. Essa reflexão parte da premissa de que tudo é possível. Como historiador, entendo que tudo é possível, mas nem tudo é provável.
No século XV, as civilizações que concorriam ao processo de expansão pelo mundo eram a ocidental, a muçulmana e a escandinava (vikings). Gavin Menzies dedicou um alentado livro para demonstrar que os chineses realizaram a primeira viagem de circunavegação antes de Fernão de Magalhães, chegando à América antes de Colombo. Os vikings atingiram a costa da América do Norte nos séculos X e XI. Os chineses atingiram a costa índica da África em decorrência de um longo comércio no oceano Índico. Os muçulmanos dominavam as rotas comerciais da Ásia, ligando o extremo oriente ao extremo ocidente de então.
Conclusão: colocar todas as civilizações emparelhadas como numa corrida de cavalo, com todas elas movidas pelo mesmo ímpeto de se lançar ao mundo, é possível na nossa imaginação, mas nada provável. Pelas probabilidades, apenas ocidente, vikings e muçulmanos poderiam estar dispostos a se lançar na conquista do mundo. Mas, os vikings desejavam apenas conquistar terras e manter relações comerciais brandas com outras partes do mundo além da Europa. Os muçulmanos já detinham o quase monopólio do comércio oriente-ocidente por terra. Eles navegavam em camelos, não em caravelas. A China era, no século XV, responsável por cerca de 80% da economia mundial. A Europa ocidental estava cercada pelos vikings ao norte, muçulmanos a sudeste e sul, e escandinavos a leste. Restava-lhe o grande oceano Atlântico a oeste. O cerco exercido por outras civilizações e o potencial de crescimento do capitalismo foram os fatores responsáveis pela expansão do ocidente pelo Atlântico. Cada presente é marcado por tendências e não por possibilidades. Era possível que as nações indígenas do futuro Brasil atravessassem o Atlântico e invadissem a Europa. Mas, não era provável que isso acontecesse.
A revolução industrial poderia ter nascido na China, como já se aventou, mas nasceu no ocidente. Era possível na China, mas não provável. A exiguidade territorial e de recursos levou a Inglaterra a promover essa grande mudança no processo produtivo. Ela começou com a energia a vapor. Watt inventou a máquina a vapor que se transformou na máquina das máquinas. Ela foi aplicada na modernização da indústria têxtil, na navegação, na locomotiva e até em automóveis. Se a energia do vapor prosperasse, o futuro provável não estaria enfrentando o problema das mudanças climáticas. Mas, logo o vapor foi substituído pelos combustíveis fósseis: carvão mineral, petróleo e gás natural. Essa opção não foi aleatória. Os empresários capitalistas escolheram os combustíveis fósseis porque eram mais eficientes. No princípio da revolução industrial, esses combustíveis eram mais baratos porque ainda não eram muito explorados e porque o ocidente dominava as áreas fornecedoras deles.
Ninguém, nem o mais lúcido cientista, seria capaz de prever que a queima de tais combustíveis causaria mudanças climáticas no futuro. Agora, esse futuro chegou como consequência de uma escolha feita no passado; não entre outras possíveis, mas por aquela que permitia mais eficiência na produção e nos lucros. Esse lucro colocou o mundo globalizado numa armadilha: pode-se continuar a emitir gás carbônico e metano. A estrutura para seu uso está montada e escraviza a humanidade, do mais pobre ao mais rico. O governo de Biden quer mudar a matriz energética dos Estados Unidos, mas sua população é cativa de uma estrutura que ameaça os limites naturais de resiliência. Uma pessoa consciente compra, nos EUA, um automóvel movido a eletricidade e se dá conta de que a energia elétrica é gerada pelo carvão.
Os acordos firmados na COP-26 não são para valer. Mesmo que as grandes emissões de gás carbônico e de metano cessassem hoje, a estrutura pré-revolução industrial da atmosfera não retornaria de imediato. Desastres ambientais, como os tornados que varreram o sudoeste do Estados Unidos, principalmente o estado de Kentucky, e as chuvas destruidoras no sul da Bahia e norte de Minas Gerais exemplificam os efeitos de uma atmosfera mais quente. Não é comum a ocorrência de tantos e tão fortes tornados nos EUA durante o outono/inverno. Um deles, o mais forte, percorreu mais de 300 km no Kentuchy, deixando para trás cidades inteiramente destruídas. Não é comum também tornados manterem a força destruidora percorrendo áreas continentais. Na Bahia e em Minas, as chuvas também causaram grandes estragos. Eles estão se potencializando. Quando o pior passa, tudo é reconstruído como antes. E tudo será novamente destruído em breve. As pessoas dificilmente se conscientizam de que é preciso mudar, a começar pelos governantes e pela própria imprensa. Essas notícias vão para o setor “cotidiano” apenas de forma descritiva, sem o devido acompanhamento de um artigo redigido por especialistas. Temos alguns futuros a nossa frente. Algumas tendências. Qual vai se impor?