Arthur Soffiati - Dia do Mediterrâneo
Arthur Soffiati - Atualizado em 01/12/2021 19:26
Quando estudei francês, nos anos de 1970, Mr. Leblanc, da Aliança Francesa, propôs como tema de redação “A França entre a Europa, o Atlântico e o Mediterrâneo”. O livro mais famoso do historiador francês Fernand Braudel tem como título “O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II”. Foi criado o “Dia do Mediterrâneo”, a ser celebrado anualmente em 28 de novembro. Ele foi instituído pela União para o Mediterrâneo, formada por 42 países, talvez mais até do que aqueles que banha. Um mar se constitui numa grande reentrância de um oceano. O Mediterrâneo tem 46 mil quilômetros de costa, banhando África, Ásia e Europa. Os países em torno dele contam com uma população de 480 milhões de pessoas.
Mas, que interesse pode apresentar este mar? Antes de existirem humanos, ele estava ligado naturalmente ao mar Vermelho. Por essa passagem, navegaram as sementes de manguezal em direção aos oceanos Atlântico e Pacífico, provenientes do Sudeste Asiático. Depois, essa passagem se fechou, até que, no século XIX, foi reaberta por mãos humanas. Hoje, é o canal de Suez.
Na fase humana, populações provenientes da África atravessaram o Sinai e colonizaram o mundo. Bem mais tarde, as civilizações egípcia, cretense, siríaca e greco-romana usaram-no como via de transporte, como eixo para circulação comercial e para domínio imperial. Os fenícios o transformaram em seu domínio. Os gregos dominaram parte dele, pois o Mediterrâneo forma outros mares. Os romanos chamavam-no de Mare Nostrum.
Hoje, o Mediterrâneo é cercado por três grandes civilizações: a ocidental cristã, na Europa; a oriental cristã, na Ásia; e a muçulmana, no norte da África. Mas, todas estão unidas pelo processo de ocidentalização do mundo, embora pulsem, no fundo, as suas civilizações. Um europeu vestindo camisa, calça e sapatos entra no norte da África e encontra pessoas vestidas com trajes muçulmanos e lenço na cabeça. Esse mesmo traje será encontrado na Ásia. No entanto, na Grécia, encontrará igrejas ortodoxas.
Para o Brasil, a importância do Mediterrâneo se liga aos tempos coloniais. Foi nas ilhas do Mediterrâneo que foram lavrados os primeiros campos com cana-de-açúcar trazida da Índia. Foi nelas que se ergueram os primeiros engenhos. Na ilha de Chipre, inaugurou-se o processo de refino do açúcar. Nelas todas, foi criado o sistema de capitanias hereditárias, transposto para as ilhas de Porto Santo, Madeira e Açores, no século XV, e delas para o Brasil.
A intenção da União é aproximar os três continentes. No entanto, o Mediterrâneo mais desune que aproxima. Os romanos o atravessaram para dominar a potência de Cartago, no norte da África. Os muçulmanos cruzaram o estreito de Gibraltar, o ponto mais próximo entre África e Europa, para dominar a Península Ibérica. Os portugueses atravessaram esse mesmo estreito em 1415, para conquistar Ceuta, no norte da África, e iniciar a expansão marítima do ocidente.
Hoje, há mais desunião que união. Na orla asiática do Mediterrâneo, Israel criou um estado e inviabilizou a Palestina como entidade estatal até o momento. Marrocos tem um desentendimento histórico com a Argélia. A Espanha tem rusgas com Marrocos. Todos os Estados muçulmanos do norte da África foram varridos, em 2011, por um sopro de ocidentalização com a chamada Primavera Árabe. Ela surtiu mais efeito na Tunísia, mas suas conquistas estão sendo perdidas. A Líbia se esfacelou. No Egito, a revolução foi regredindo pouco a pouco.
Como ambiente de união, o Mediterrâneo tem servido como rota para refugiados das guerras síria e iemenita e dos conflitos do norte da África em direção à Grécia, à Itália e à Espanha. Eles não são bem recebidos, na maior parte dos casos. Muitos morrem no mar. Muitos ficam pelas ilhas do grande mar. Algumas sediam países, como Chipre e Malta.
Por baixo de todos os problemas sociais, pulsam os problemas ambientais, cujas raízes são humanas. Os rios que desembocam no Mediterrâneo, sendo o Nilo e o Danúbio os maiores deles, não estão muito saudáveis. O grande mar é intensamente navegado por conta do canal de Suez e sofre as consequências desse grande trânsito. Transformar o Mediterrâneo em traço de união entre três continentes e países diversos, assim como restaurar a sua saúde, são desafios muito grandes. Parece que o dia do mar será mais outro dia, como muitos que conhecemos.
Existem uniões políticas nos três continentes: a União Europeia e a União Africana. Os países muçulmanos não se entendem. Em termos de organização, a União Europeia dificilmente pode ser imitada.

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