Arthur Soffiati - Permanências e mudanças
Arthur Soffiati - Atualizado em 24/11/2021 20:51
Primeiramente, consideremos o desenvolvimento da economia de mercado, nascida no mundo ocidental e imposta ao mundo todo. Atualmente, de norte a sul, do ocidente ao oriente, vigora esta economia. Ela foi se expandindo pelo planeta, gerando crescimento e desigualdades sociais, riqueza e pobreza, desequilíbrios ambientais profundos. Difícil encontrar alguma cultura que conserve suas tradições sem um aparelho celular, por exemplo.
A primeira metade da história dessa economia viveu sem combustíveis fósseis. Ela se estendeu do século XI ao XVIII. Nessa fase, houve muito desmatamento, retração da fauna nativa e liberação da gases causadores das mudanças climáticas. A resiliência do sistema Terra, contudo, aguentou o tranco. A partir da revolução industrial inglesa, os combustíveis fósseis entraram em cena. Primeiro o carvão mineral. Depois, o petróleo e o gás natural. A natureza produziu esses combustíveis em abundância. Como ela não tem consciência, não poderia imaginar que seu uso causaria tanto estrago a si mesma.
Criou-se uma estrutura econômica robusta que lançou gases na atmosfera. Mais uma vez, a resiliência da Terra suportou o golpe por bastante tempo. Os minerais fósseis propiciaram um crescimento otimista, que criou dependência de todas as camadas sociais. Os ricos se acostumaram com as facilidades que os minerais fósseis proporcionavam. A classe média ficou viciada nele. Até mesmo os pobres dependem deles em alguma escala. Gás de cozinha, por exemplo.
A economia de mercado globalizada pode ser comparada a uma grande rede de traficantes e consumidores de drogas. Os traficantes são representados pela indústria dos minerais fósseis. Os países integrantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Petrobras e outras empresas monopolistas estatais ou privadas representam os traficantes. De vez em quando, eles perdem drogas com o vazamento delas em terra ou no mar. Os drogados são os consumidores. Quem entra no mundo da droga gosta dele. Para o viciado, é bom consumir cigarro, álcool, crack, cocaína e outras. Mas, há um preço a pagar com o tempo. O vício cria dependência, da qual é difícil se livrar. Pode levar à morte. A economia capitalista global está viciada em combustíveis fósseis. Eles são finitos ou sua exploração pode levá-los a um ponto em que ela se torna antieconômica. Até lá, porém, os estragos causados podem ser desastrosos. Vejamos o cigarro. Houve tempo em que era elegante fumar. A indústria do fumo ganhou muito dinheiro com a deterioração da saúde e a morte de fumantes.
A partir de 1972, com a Conferência de Estocolmo, o rumo do capitalismo passou a ser questionado de forma radical por ecologistas e preservacionistas. De forma moderada por liberais, socialistas e anarquistas. Mas a ala conservadora mostrou-se cética e negacionista. Cabe ressaltar que liberais, socialistas e anarquistas tanto assumiram a defesa do crescimento sem limites, à base dos combustíveis fósseis, quanto se posicionaram contra. A linha que prosperou foi a intermediária, conhecida como “desenvolvimento sustentável”. Ela consiste em conciliar as tendências radicais numa direção ou em outra. A sustentabilidade passou a entrar nos discursos políticos e empresariais de tal forma que perdeu o sentido original. Mesmo assim, a proposta trouxe contribuição para enfrentar as drogas, mas não de maneira suficiente.
Afinal, foi a busca por uma economia e sociedade sustentáveis que promoveu os estudos sobre os impactos da economia capitalista sobre o sistema Terra e seus habitantes humanos e não-humanos. Foi a sustentabilidade que presidiu o espírito dos muitos eventos regionais, nacionais e mundiais sobre os riscos de um crescimento à base dos combustíveis fósseis. Dentre todos os problemas causados por esse tipo de crescimento, destacou-se o das mudanças climáticas. Ele parece ser o mais ameaçador não só para os ecossistemas, mas para a humanidade e para a própria economia que as gerou.
O mundo mudou nos 50 anos após 1972. Governantes e empresários mudaram seu discurso, embora não consigam convencer. Se houvesse uma mudança de fato, o que é difícil numa economia de mercado, a infinidade de estudos e relatórios científicos a registraria e promoveria a desaceleração das conferências mundiais para estabelecer metas de redução. A sociedade mais esclarecida mudou de hábitos. Deve-se ressaltar que são as pessoas em melhores condições sociais que protestam contra as drogas que elevaram seu padrão de vida. As pessoas mais pobres, contudo, continuam dependendo das drogas que os traficantes lhes fornecem.
Enfim, é preciso reconhecer que houve mudanças. Mas, elas não são ainda suficientes para salvar a economia capitalista de um possível colapso com reflexos sobre ricos e pobres. Talvez ainda seja necessário considerar a natureza como novo agente revolucionário.

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