Arthur Soffiati - Rio Macaé
Arthur Soffiati 10/11/2021 16:06 - Atualizado em 12/11/2021 15:30
Limitado pela serra, onde nasce, e pelo mar, onde desemboca, o rio Macaé não podia ser grande, já que a serra é bem próxima da costa. O rio tem 136 km de extensão. Nasce a 1560 km de altitude, forma uma bela bacia e desemboca no Atlântico. As descrições dele são mais antigas que as do Paraíba do Sul. Em meados do século XVI, Jean de Léry o mencionou em seu livro. Em 1593, o inglês Richard Hawkins subiu o rio em sua parte baixa, registrando seus muitos banhados.
Conheci o rio Macaé em três momentos. O primeiro foi em 1959, quando eu tinha 12 anos. Meus pais passaram em mês de férias em Barra de São João. O rio São João era portentoso. A antiga ponte ainda era ativa. Um dia, fui a Macaé com meu pai. A estrada era de terra. Passamos pelo rio das Ostras. Havia somente a colônia de pescadores. Macaé era uma pequena e simpática cidade. O rio era pujante. Mal sabia eu que voltaria a ele para defendê-lo.
O segundo momento teve seu início com a canalização do seu trecho final, do Brejo da Severina ao mar. Ao descer da serra e encontrar uma planície, o rio espraiava e formava uma colossal área úmida. Ela garantia muita água para o rio, alimentando-o durante as estiagens e reduzindo as enchentes. Na década de 1960, o extinto Departamento Nacional de Obra e Saneamento (DNOS) iniciou estudos para drenar esse imenso banhado, conhecido como Brejo da Severina. Fez o mesmo com os rios São João e das Ostras. Na década de 1970, participei de um encontro com o órgão, assumindo a defesa dos rios e mostrando o risco que a drenagem representava. O encontro aconteceu em Rio das Ostras. Creio que ninguém sabe desse encontro histórico em que o órgão tentou me cooptar.
A drenagem do brejo foi feita com a canalização do Macaé, do São Pedro, do Aduelas e do Jurumirim. Um mundo de água doce foi jogado ao mar. Muitos jacarés, lontras e peixes foram capturados ou morreram. Alegava-se, na época, de forma aberta, que a natureza era defeituosa ao manter submersa terras que podiam ser aproveitadas pela agricultura e pecuária. Havia também o projeto de reduzir a extensão da BR 101 com um traçado que cortava a área instável do brejo. Essa canalização criou as ilhas Colônia Leocádia e Caieira. Poucos sabem dessa história, já que nossa cultura valoriza em demasia o momento presente.
O terceiro momento se inicia com a escolha da margem direita da foz do rio para a instalação de um porto da Petrobras a fim de apoiar as plataformas de exploração de petróleo e gás. Acompanhei as discussões entre Campos de Macaé, ambos lutando para ficar com o progresso e o desenvolvimento que a empresa estatal prometia trazer. Em 1980, eu não tinha mais essa ilusão. Era possível prever o que aconteceria. E aconteceu: muitas pessoas pobres foram atraídas pela cidade em busca de emprego; prosperou a favelização da cidade, principalmente nas margens do Macaé; a prostituição, as drogas, a marginalização e a violência cresceram. Atrás da Petrobras, instalaram empresas de apoio. Onde vai a riqueza, vai a pobreza.
A cidade passou por um crescimento teratogênico, crescendo em direção ao antigo brejo da Severina, onde ainda existem áreas alagadas com considerável biodiversidade e uma atividade pesqueira. Nenhuma instituição pública está conseguindo ordenar esse crescimento desenfreado. Nem mesmo os Ministérios Públicos e o Judiciário, que deram o mal exemplo de construir suas sedes sobre áreas de banhados aterrados.
Nos meus estudos de história ambiental, acabei percebendo que o rio Macaé separa a Ecorregião dos Lagos da Ecorregião de São Tomé. Examinem um mapa. Da baía da Guanabara ao Macaé, a costa é pedregosa e acidentada. Do Macaé ao rio Itapemirim, a costa é arenosa, lisa, baixa e nova. Do Itapemirim para o norte, volta a ser acidentada. Talvez, por essa razão, dediquei escritos recentes a esses dois rios.
Mas vivemos agora um novo momento marcado por sombras e ameaças. Empresários tencionam construir um novo porto e várias termelétricas. Se esse tipo de obra seduzia na década de 70, hoje é um estilo ultrapassado de desenvolvimento. O rio fornece água para as cidades de Macaé e Rio das Ostras. Além de abastecer a Petrobras, os novos empreendimentos pretendem obter água para suas operações no rio Macaé. Como demonstrou o professor Maurício Mussi Molisani, do Nupem, no XIV Fórum de Responsabilidade Social Empresarial, o rio não dá conta de atender à demanda das novas atividades, mas o Inea pode ignorar essa limitação e licenciá-las. A bacia precisa ser reflorestada, não para as necessidades dos novos empreendimentos, mas para a segurança hídrica do que é essencial. A região está saturada. É preciso desafogar a grande Macaé, que cresceu em demasia. Eu acrescentaria as necessidades de proteger os banhados atrás da cidade e de recriar áreas úmidas no antigo brejo da Severina.

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