Tradicionais eventos da cultura campista, o FestCampos de Poesia Falada e o Concurso Nacional de Contos José Cândido de Carvalho não serão realizados pelo segundo ano consecutivo. De acordo com a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), ambos estão planejados para retornarem em 2022, com editais lançados em novembro deste ano e previsão de finais no primeiro semestre do próximo.
— Este ano, nossos recursos foram consumidos com ações de reparos emergenciais em boa parte de nossos equipamentos, encontrados com muitas demandas urgentes. Adquirimos materiais de consumo, iluminação, material cênico, sonorização e suplementos de informática. Todos os equipamentos passaram por processos de descupinização, dedetização e sintonização. Seguindo o protocolo Regras da Vida, investimos em material higienizante. Iniciamos projetos para a restauração de nossos equipamentos. Realizamos o 4° Festival Doces Palavras e a entrega do Prêmio de Cultura Alberto Lamego. Realizamos eventos em comemoração aos aniversários do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, Museu Histórico de Campos e Teatro Municipal Trianon. No aniversário do Trianon, em 31 de julho, batizamos a plateia com o nome do saudoso Dom Américo — diz a nota da FCJOL, presidida por Auxiliadora Freitas.
Segundo a gerente de Artes e Cuturas da Fundação, Kátia Macabu, a abertura dos editais para os eventos em 2022 se dará logo após o fim do prazo para inscrições nos editais da Lei Aldir Blanc atualmente em vigor.
— Iremos lançar os editais em novembro, mas dando um tempo para que os poetas e contistas possam elaborar e selecionar os seus textos a serem apresentados. E a realização da final será no primeiro semestre de 2022, possivelmente até março — assegurou Kátia.
A não realização do FestCampos de Poesia e do Concurso de Contos em 2021 foi confirmada na última quinta-feira (14), um dia após a Prefeitura ter anunciado a liberação para que aconteçam eventos de massa, com capacidade limitada a 50% do espaço físico, restritos a até 1 mil pessoas em ambientes fechados e 2 mil pessoas em ambientes abertos. Em 2020, os dois tradicionais eventos não aconteceram em decorrência da pandemia.
— No ano passado, a gente ficou numa situação totalmente nova, sem saber como adaptar algumas coisas às diretrizes sanitárias, aos decretos que vinham permanentemente. Então, ficamos meio que perdidos no meio dessa situação. Depois, começamos a encontrar saídas, muitas coisas passaram a ser virtuais. Neste ano, eu acho que as pessoas que estão à frente da Cultura já têm outras alternativas. Apesar de só faltarem dois meses e meio para o fim do ano e de os prazos dos eventos serem muito importantes, penso que ainda seja possível realizá-los e torço para isso — afirmou Cristina Lima, que presidia a FCJOL em 2020.
Na visão da atriz, professora e poeta Adriana Medeiros, a não realização dos certames é mais um sinal do descaso com o setor artístico-cultural no Brasil.
— Tudo o que está acontecendo com a arte e a cultura, seja na esfera municipal, estadual ou federal, é um estorvo. Para todos estes governos, bem melhor seria que tudo isso fosse tirado de cena. Para a gente, que está inserida nesse contexto, há uma explicação quanto à importância da arte e da cultura na existência do ser humano. Mas, para os demais brasileiros, talvez não haja. Para os governos, no âmbito geral, muito menos: a cultura não tem lugar. Então, não me assusta. Embora tenhamos professores à frente da Fundação, parece que eles não estão movidos ou imbuídos desse sentimento de resistência dos artistas verdadeiramente vistos e sentidos assim — lamentou, antes da confirmação da Prefeitura de que os concursos só aconteceriam em 2022.
O poeta e professor Adriano Moura considerou o cancelamento dos concursos literários uma lacuna no calendário deste ano: “O FestCampos e o Concurso de Contos são eventos importantes para a produção e circulação de poemas e contos inéditos em âmbito nacional. Mesmo que num formato simplificado, devido à pandemia, penso que não se deveria permitir que esses festivais deixem de ocorrer pelo segundo ano consecutivo”.
O discurso foi reforçado pelo professor e poeta Luiz Antonio Cosmelli, o Altura: “Dos segmentos que mais sofreram com as restrições da pandemia, a arte e a cultura nos fizeram muita falta. O Festival de Poesia Falada e o Concurso de Contos produzem reflexões sobre a realidade e, neste momento, representam um farol para tantos sentimentos reprimidos. Observando-se os cuidados protocolares, esperamos que o poder público reveja a decisão de não realizá-los. Já provamos nossa competência nessa área. Basta apenas vontade política, e nossos autores, artistas e todos os que militam na cultura responderão à altura”.
Para a professora e literata Arlete Sendra, a falta dos eventos no calendário significa um retrocesso num momento de avanço com a recente abertura de editais de incentivo à cultura no município: “O Diário Oficial, em 13 de outubro, acena, através da Lei Aldir Blanc, para a revitalização das linguagens sócio-estético-culturais que compõem o cenário de nossa Campos. Imprescindível retomada. Campos precisa conhecer o que reprimido mora no universo interior de suas cidadãs, de seus cidadãos. Entretanto, uma resposta está sendo aguardada: o que nas ribaltas impede retomar e reprogramar o FestCampos e o Concurso de Contos? Se a arte é dialogal, e o é, a sociedade abriu o travessão para as explicações aguardadas. Com a palavra, a Cultura”, disse ela, também antes do posicionamento da FCJOL.
O poeta Carlos Augusto Souto de Alencar, presidente da Academia Pedralva Letras e Artes, enfatizou a perda com mais um ano de quebra da tradição: “São dois eventos de suma importância para a literatura, não só em nível local, como em nível nacional. Recebemos autores do Brasil inteiro com textos de extrema qualidade. São eventos que colocam Campos dos Goytacazes no mapa da literatura brasileira”.
O mesmo foi dito pelo poeta Ronaldo Junior: “Acredito que a não realização do FestCampos de Poesia Falada e do Concurso de Contos José Cândido de Carvalho, nitidamente impactados pela crise sanitária e social que atravessamos, é um revés para a cultura do município, que tem nesses certames a função simbólica de divulgar a tradição literária de Campos. Esses concursos, símbolos de uma cidade literariamente rica, não podem ser esquecidos, sobretudo por sua função de estimular a criação literária e premiar obras que impactam culturalmente o panorama local e nacional”.
Além de poetas e contistas, os profissionais do teatro são igualmente impactados pelo cancelamento, uma vez que o FestCampos também premia intérpretes.
— O festival é uma oportunidade de conhecermos autores de fora e também daqui. Campos e região são celeiros magníficos de talentos, e, com certeza, a parte da escrita tem grande destaque nos cenários estadual e nacional, porque as pessoas são muito talentosas. Para mim, o FestCampos proporciona esse encontro — disse o ator Sidney Navarro.
A ausência também é sentida pelo diretor teatral Fernando Rossi: “É compreensível que os eventos não tenham ocorrido em 2020, pelo motivo bem plausível da pandemia. Mas, como voltaram a acontecer muitos eventos, inclusive on-line e outros seguindo medidas sanitárias, seria possível que ocorressem neste ano. É muito ruim não acontecerem e não se promover algo semelhante para preencher esta lacuna. Enquanto artista, a gente sente que é menos um espaço”.
O ator Saullo Oliveira direcionou a sua crítica à falta de oportunidades para a renovação da classe artística. “Cada vez mais, os espaços culturais e de fomento a arte nos têm sido cerceados. Eventos como estes deveriam ser parte irrevogável do cronograma cultural do município, virtual ou presencialmente, dado o seu poder de estimular a literatura e as artes cênicas locais. O que seria de Campos dos Goytacazes sem nomes como José Cândido de Carvalho? E, ainda, o que será de nós se não propiciarmos condições para o surgimento de novos nomes?”, questiona.
Vencedora do FestCampos de Poesia Falada na categoria estudantil em 2014, a escritora Isabela Prudêncio faz a mesma análise: “O fato de a cultura, principalmente a literatura, que sempre se demonstrou tão subversiva e questionadora, estar sendo deixada para trás nessa pandemia é algo observável. A cultura, no caso a poesia, é a voz de muita gente que não tem voz no dia-a-dia. E o FestCampos já revelou talentos inestimáveis, não só da região como de outros locais. A falta de verba para cultura, sendo focada em outras coisas, é algo que, pessoalmente, me preocupa”.
Esta linha também é adotada pela escritora Paula Vigneron: “Acho uma perda para Campos e para os autores não somente daqui, mas também de outras cidades e estados que participam dos festivais. Esses eventos, muitas vezes, são algumas das poucas oportunidades para novos escritores mostrarem as suas obras. O mercado literário é muito restrito, difícil de entrar, principalmente para quem vive em municípios fora das capitais. Então, não realizar os festivais é um atentado à cultura e à tradição de ambos, que fazem parte do calendário oficial de Campos e deveriam ser respeitados e preservados, ainda mais neste momento em que enfrentamos tanto descaso com a arte em nosso país”.
Tradição — Criado em 1989 com objetivo de fomentar a produção literária em Campos, o Concurso de Contos passou a integrar o projeto “O Coronel e o Lobisomem” em 2000, como forma de homenagem à obra do escritor campista José Cândido de Carvalho. A 29ª e mais recente edição aconteceu em 2019, reunindo 376 participantes de todas as regiões do Brasil e que teve como campeão André Kondo, de Taubaté/SP, com o conto “Cerejeira”.
Já o FestCampos de Poesia Falada surgiu em 1999, atraindo poetas nacionais, mas também dando ênfase à produção local. Nomes como Antonio Roberto de Góis Cavalcanti, o Kapi; Adriana Medeiros e Aluysio Abreu Barbosa, este diretor de redação da Folha, fazem parte da lista de vencedores do festival, que chegou à sua 21ª edição em 2019. Nela, foram premiados com o primeiro lugar de cada categoria o niteroiense Alberto Antônio Sobrinho, autor de “New Gothan”, e a campista Lívia Barbosa Prado, que interpretou a sua poesia “Cinzas”.