Convenhamos, um vampiro que se preza não fica bem na África. No máximo, ele pode vir da Ásia Central para outros lugares do mundo. Normalmente, vem da Europa Oriental, que, na visão tradicional, é um lugar mais atrasado que a Europa Ocidental. Um lugar ainda envolto nas brumas do misticismo e do tradicionalismo. De lá, ele pode migrar para a Europa Ocidental e até para os Estados Unidos. Em minha interpretação particular, entendo que o irlandês Bram Stoker, ao escrever “Drácula”, romance gótico lançado em 1897, retratou bem o clima cultural da Europa nas vésperas da Primeira Guerra Mundial: uma Europa Oriental atrasada cuja cultura bárbara permitia as práticas cruéis de um nobre como Vlad, o empalador, e uma Europa Ocidental esclarecida.
O cinema apropriou-se da figura do vampiro e a ambientou em vários lugares. Em 1945, o filme “O espectro do vampiro” (“The vampire’s ghost”), dirigido por Lesley Selander, selou um fim melancólico para um vampiro na África. O clima do filme é nitidamente marcado pelo colonialismo, que entra em crise com o fim da Segunda Guerra Mundial, exatamente em 1945. Numa aldeia em plena selva, os nativos praticam vodu. São muito supersticiosos. Os brancos são superiores. Eles é que dominam a economia agrícola do local. Há um casal romântico, um padre e o dono de um bar. Os negros são simpáticos e submissos. A selva é estilizada. A dançarina branca do bar também estiliza sua dança. Os homens usam camisas listradas. O quadro não seria muito diferente se ambientado no Brasil.
O dono do bar veste-se elegantemente. Embora magro, ele derrota os mais fortes arruaceiros. Seu passado é estranho. Num ponto, os supersticiosos nativos são superiores aos brancos esclarecidos: eles percebem melhor a presença do sobrenatural e do mal. Eles é que suspeitam do dono do bar. Ele precisa de óculos escuros para se comportar normalmente à luz do dia. Sua cabeça não é refletida pelos espelhos. De seus ferimentos não sai sangue.
Esse homem tem uma história estranha. Ele lutou pela Inglaterra contra os espanhóis no episódio da Invencível Armada, em 1588, matou uma pessoa e foi condenado à imortalidade. Acabou na África como colonizador. Como na história original, ele se apaixonou a seu modo pela bela mocinha e a chamou com sua força mental. Ela também vai se tornar uma viva-morta exatamente num abandonado templo da morte de africanos. Guiados por um bom negro, o grupo de brancos chega a tempo de salvar a mocinha. Mas não é um africano supersticioso que entra em ação, e sim um padre. Nem no título original, trata-se de um vampiro, mas de um fantasma de vampiro.
A rigor, “O espectro do vampiro” não é um filme B. Seu diretor, Lesley Selander, ficou famoso por dirigir vários westerns. O orçamento do filme também é razoável. O elenco não é dos piores. A fotografia e a filmagem são boas. O autêntico filme B difere do filme trash por empenhar-se em convencer o espectador. O trash já é uma paródia cômica da realidade. Ambos têm em comum o baixo orçamento, que afeta na escolha do elenco, nos efeitos especiais e na fotografia. Mas tudo tem sua origem. “O espectro do vampiro” prenuncia o filme B.