Genilson Paes Soares - Uma pincelada na história da pintura em Campos
Genilson Paes Soares 25/10/2021 19:29 - Atualizado em 25/10/2021 20:08
Grandes nome da história da pintura em Campos
Grandes nome da história da pintura em Campos
Por sua tradição histórica e importância econômica, desde os primórdios de sua elevação como cidade, no ano de 1835, Campos dos Goytacazes passou a atrair a atenção dos pintores retratistas da Corte, que faziam visitas regulares para fechar encomendas. Grande parte dessas obras hoje se encontra no acervo da Santa Casa de Misericórdia de Campos, na Sociedade Portuguesa de Beneficência de Campos e na Prefeitura de Campos dos Goytacazes.
Nossa pincelada começa no primeiro quartel do século XIX, no ano de 1821, quando veio morar com a família, na Vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes, o pintor itaboraiense José Leandro de Carvalho (1). Por desavença política, o artista corria risco de ser desterrado e encontrou refúgio na planície goitacá. Indícios apontam para o fato de que teria sido ele o autor da pintura de dois estandartes com a imagem de D. Pedro I, utilizados em Campos nas festas de aclamação do Imperador em outubro de 1822. Após retornar à Corte em 1823, José Leandro esteve em Campos em 1834, ano da sua morte, em visita a um amigo, o também pintor Manuel Dias de Oliveira (2), conhecido como “brasilien-se” e “o romano”. Nascido em Cachoeiras de Macacu/RJ em 1764, “o romano” teve certa projeção com a chegada da família real, mas, por divergências com a Missão Artística Francesa, perdeu prestígio e foi destituído em 1822, por Pedro I, do cargo de regente da aula régia. Em 1831, desistiu da profissão e mudou-se com a esposa e nove filhos para Campos dos Goytacazes, onde abriu um colégio para meninas na rua do Sacramento e deu aulas de desenho e pintura. Faleceu em 1837 e foi enterrado na cape-la da Igreja Mãe dos Homens. Deste mesmo período, existe registro no jornal “Correio Constitucional Campista” do pintor espanhol Pedro de Lazaro Banhos de Bolivar, que, após executar a decoração da Igreja Matriz de Quissamã, encontrava-se morando e oferecendo os seus serviços em Campos, na Rua Atrás do Terço (atual Theotônio Ferreira de Araújo), nº 6. No jornal “Monitor Campista”, em 1840, encontramos anúncios do pintor retratista italiano de nome Antonio Zattoni.
Já na segunda metade do século XIX, as mais importantes famílias representantes da aristocracia rural da região já ostentavam nos salões das suas residências os retratos dos seus nobres. Não existia em Campos pintores retratistas, e os trabalhos eram encomendados aos artistas da Corte. O pintor francês João Baptista Borely (3) (1815-1880) é um dos primeiros a ter seus trabalhos nos solares campistas. Podemos destacar desta época os retratos de D. Pedro II, do barão de Santa Rita, do comendador Feliciano José Manhães, do barão e da baronesa de São João da Barra.
Outro pintor que, antes de se radicar em Campos, em 1862, também realizou retratos por encomenda foi o francês Clovis Arrault (4) (1838-1895). Os seus trabalhos mais expressivos são o retrato do visconde de Araruama (1865) e a alegoria histórica “Partida dos Voluntários” (1876). O pintor espanhol Guilherme Litran (1840- 1897) teve breve passagem por Campos, em 1869, e se ateve em pintar vistas da cidade. É também deste período o retratista alemão Augusto Off (1838-1883), que chegou a residir em Campos, na rua do Ouvidor, 24, no ano de 1877.
O primeiro pintor nascido em Campos, mas que se radicou e alcançou projeção no Rio de Janeiro, foi Antônio Araújo de Souza Lobo (5) (1840 – 1909). Precocemente, aos 15 anos de idade, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes e, posteriormente, recebeu diversas premiações nos salões imperiais. O retrato de D. Pedro II de corpo inteiro, que pertence ao acervo do Museu Nacional de Belas Artes, RJ, é o seu trabalho de maior relevo. Além de pintor, foi também professor, restaurador, fotógrafo e cenógrafo. Outro campista de destaque e contemporâneo de Souza Lobo foi Leopoldino Joaquim Teixeira de Faria (6) (1836-1911). Pintor, arquiteto e engenheiro civil, concluiu os seus estudos na Academia Imperial de Belas Artes em 1868. Foi professor de pintura em Campos e executou diversos retratos para a Santa Casa de Misericórdia. Seus trabalhos de maior destaque são o retrato de D. Pedro V que se encontra na Beneficência Portuguesa de Campos e “A Resposta de Tiradentes ao Desembargador Rocha, no Ato da Comutação da Pena aos Companheiros, Depois da Missa”, hoje na Câmara Municipal de Ouro Preto/MG.
Em 1881, o desenhista francês Victor Carlos Hamberger (cerca de 1850-1939) chegou a Campos para coordenar o projeto da montagem do farol na praia de São Thomé, cuja autoria é atribuída a Gustave Eiffel. Ele se radicou na cidade, na praça do Santíssimo Salvador, 26, onde ministrava aulas particulares de desenho e pintura. Mais tarde, montou uma tipografia e litografia na rua D. Pedro II (atual av. 15 de novembro), 18, onde editou os jornais “Evolução” e “Jornal de Campos”.
Em 5 de maio de 1885, iniciou-se o ensino regular de desenho e pintura em Campos, por meio do curso gratuito ministrado por Clovis Arrault, que, logo no mesmo ano, com a participação de seu discípulo Antonio Ferreira Martins Filho, foi transformado em Liceu de Artes e Ofícios Bethencourt da Silva, com 42 alunos. Em 1886, já possuía cinco alunos, que se tornaram mestres e lecionavam: Julio Fileto, Francisco Lopes Monteiro, Antonio Rangel do Nascimento, Luiz Jaccomossi e Antonio Rego Mo-reira. Em 1887, foi feita a primeira exposição. O Liceu funcionou na rua da Quitanda, 6 e 8. Por proposta do deputado dr. Manoel Coelho Barroso, o Governo Provincial sancionou o projeto que autorizava a construção de um prédio próprio. A província comprou o terreno da rua do Sacramento, para nele edificar o Liceu, que foi construído no estilo toscano, planta de Clovis Arrault e desenho de Antonio Rangel. Em 12 de maio de 1895, foi inaugurado o novo edifício, porém, depois de apenas alguns dias, faleceu o seu grande mentor, Clovis Arrault. Julio Fileto ficou sendo diretor, e mais tarde Philogonio de Magalhães o substituiu. Demorou-se pouco em Campos, e o Liceu desapareceu. Hoje, funciona no prédio a Escola Estadual Nilo Peçanha. Não podemos deixar de mencionar o famoso pintor Oscar Pereira da Silva (7) (1865-1939), que, nascido na vizinha cidade de São Fidélis, radicou-se em São Paulo e ganhou grande notoriedade no cenário da pintura brasileira.
Na primeira metade do século XX, vários artistas campistas surgiram no cenário nacional das artes plásticas. É desse período o mestre da espátula, Antônio Garcia Bento (8) (1897-1929), considerado um dos melhores marinistas do país. Destacamos as pintoras Roselle Torres del Negro (9) (1892-1929) e Candida Gusmão (10) (1891- 1994). No campo da escultura, desponta Modestino Kanto (1889-1967), que, assim como Garcia Bento, conquistou o prêmio máximo de “Viagem ao Exterior” pela Academia Nacional de Belas Artes. Os irmãos Claudinier e Segisnando Pinto Martins, além da pintura e do desenho, destacam-se na arte da caricatura e da charge. O autodidata Antônio Luiz Cardoso de Mello Silva (1926-1995) é um campista que se radicou em Petrópolis/RJ. No ano de 1952, ele participou da IV Exposição Anual de Pintura da Associação Petropolitana de Belas Artes, da qual foi presidente e integrou a Primeira Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em 1953. Segundo o crítico Edmundo Jorge, era à sua garagem que o grupo de jovens artistas reunidos em Petrópolis recorria para resolver as áreas chapadas de suas pinturas com uma pistola de ar.
Na segunda metade do século XX, os dois grandes nomes de destaque nacional são Paiva Brasil (11) (1930) e Ivald Granato (12) (1949-2016). No cenário contemporâneo das artes plásticas, temos Deneir Martins (1954), Lucia Laguna (1941) e Edmilson Nunes (1964).
Fontes:
- AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Homens do Passado : Chronicas dos Seculos XVIII e XIX. 1º edição. Rio de Janeiro: Garnier, 1875.
- MACEDO, Joaquim Manuel de. Anno Biographico Brazileiro (Terceiro Volume). 1º Edição. Rio de Janeiro : Typographia e Lithographia do Imperial Instituto Artistico, 1876.
- CARVALHO, Anna Maria Monteiro de. Manuel Dias de Oliveira e a pintura oficial da Corte no Brasil. Porto: CEPESE, Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, 2010.
- Hemeroteca da Biblioteca Nacional
- Jornal “Correio Constitucional Campista” (Hemeroteca da BN)
- Jornal “Monitor Campista” (Hemeroteca da BN)
- Jornal “Diario do Rio de Janeiro” (Hemeroteca da BN)
- Jornal “Voz Fluminense”
* Genilson Paes Soares é pesquisador de História Regional, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes (IHGCG) e ocupante da Cadeira nº 26 na Academia Campista de Letras (ACL).

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