Arthur Soffiati - Confie na História
Arthur Soffiati - Atualizado em 20/10/2021 13:17
É o seguinte: a Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), através de seu órgão Agência Internacional de Energia (AIE), divulgou, em recente relatório, aquilo que já sabemos. A economia de mercado, que se instalou há mil anos na Europa Ocidental e se expandiu pelo mundo a partir do século XV, passou a usar carvão mineral, petróleo e gás natural depois da revolução do século XVIII. Hoje, apesar do discurso de governantes e empresários quanto à importância e a urgência de substituir esses combustíveis fósseis por energia limpa (gerada pelo vento e pelo sol, principalmente), de modo a reduzir drasticamente as emissões de gases causadores de mudanças climáticas, cerca de 80% do volume total de energia consumida provêm ainda dos combustíveis tradicionais.
Há muito tempo, entendi o que está acontecendo. O capitalismo investiu maciçamente nos combustíveis fósseis para promover o crescimento econômico e hoje é prisioneiro deles. Por mais que manifestem sua intenção de mudar, a realidade é que não conseguem, mentem e não querem arriscar com uma mudança necessária. A grande economia pensa (ou não) que dá para ganhar mais dinheiro queimando petróleo, carvão e gás até o fim sem impactos sobre a natureza. Depois, a gente muda para as fontes renováveis. Ou, simplesmente, não se pensa em nada e vai-se tocando o grande sistema.
Em resumo, está havendo investimento em energias limpas, mas em ritmo muito lento. Nesse ritmo, o grande compromisso dos países na Conferência de Paris, em 2015, de manter o aquecimento global abaixo de +1,5ºC, não será atingido. Se os compromissos fossem cumpridos, apenas 20% das emissões seriam contidos em 2030.
E a Agência esboça três cenários para o futuro próximo. No primeiro, as emissões de carbono continuam como hoje, assim como o ritmo de implantação de energias limpas. Neste cenário, o aquecimento chegaria a +2,6ºC em 2050. Segundo cenário: os países cumprem seus compromissos. Mais de 50 deles, incluindo os da União Europeia, neutralizam suas emissões de carbono. Mesmo assim, as temperaturas alcançariam +2,1ºC. Só a terceira opção é a adequada: todos os países do mundo reduzem suas emissões. Nesse caso, as temperaturas poderiam alcançar +1,5ºC.
Considero o cálculo muito matemático. A natureza não funciona de forma linear, e sim de modo hipercomplexo. As grandes atividades poluentes já acumularam lucros capazes de financiar a conversão da matriz energética de fóssil para limpa. Mas isso não basta. Pode-se muito bem usar energia limpa para uma produção suja. Além do mais, a crise ambiental global que afeta a Terra não apenas mexe com o clima. Ela também empobrece a biodiversidade, polui o ar, a água doce e os oceanos, aumenta o fluxo de fósforo e nitrogênio, impermeabiliza o solo etc.
Seria preciso uma mudança geral, mas não se consegue nem mesmo mudar a matriz energética. O que pode acontecer? Primeiramente, o mundo não vai acabar. Podem ficar tranquilos, possíveis leitores, quanto aos filhos e netos que estão nascendo em 2021. A Terra apenas ficará mais pobre em biodiversidade. As catástrofes climáticas aumentarão, os alimentos vão escassear, a pobreza e a insegurança vão aumentar, a economia que produziu e vem alimentando a crise vai sofrer fortes reveses. De tanto correr atrás dos lucros, ela passará a correr atrás dos prejuízos. Teremos um mundo mais sombrio, sujo, pobre e doente do que hoje, se me é permitido fazer previsões.
Não sou mais catastrofista. Houve crises bem piores causadas pela própria natureza. E a Terra aguentou o tranco. Mas, nenhuma pessoa de bem deseja um mundo pior do que o atual, que já é muito ruim. Para os otimistas, cabe lhes pedir que reconheçam a existência de momentos mais confortáveis, embora nunca perfeitos e ótimos. Sei que os verdadeiros liberais acham que estamos indo de vento em popa. A tecnologia e a inovação vão salvar o mundo, segundo eles. Haverá distribuição de renda. A ciência encontrará cura para muitas doenças e mesmo para a crise ambiental. Talvez até para a morte. Parodiando o dr. Pangloss, de Voltaire, se ainda não vivemos no melhor dos mundos, ele vai chegar em breve.
É ter muita confiança na economia, na ciência e na tecnologia. É acreditar, como Hegel, os primeiros liberais e Marx, que existe um curso pré-determinado na História (acaso ele se confunde com Deus?). Assim, por mais que soframos como Jó, tudo acabará bem. O primeiro relatório do Clube de Roma alertava, há 50 anos passados, quanto aos limites do crescimento. René Dumont, também há muito tempo, escrevia sobre um mundo intolerável. Não se trata de escolher entre a utopia e a distopia, mas num mundo equilibrado, com justiça social e equilíbrio ambiental. Escrevo para mim mesmo, buscando organizar minhas ideias.

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