Novas Leis e os Direitos da População em Torno das Barragens
17/09/2021 16:35 - Atualizado em 17/09/2021 16:35
Com nova legislação, prevenção de rompimento de barragens vai muito além de obras de infraestrutura
 
 
Um dos destaques do guia Padrão Global da Indústria para Gestão de Rejeitos é o respeito aos direitos da população do entorno das barragens. Confira no artigo a seguir.
 
 
Por Valéria Sampaio*
 
 
 As imagens catastróficas dos rompimentos de barragens nas cidades mineiras de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) não serão esquecidas. Além do impacto ambiental que os rompimentos provocaram, os danos sociais ainda são visíveis na região.
Um movimento para atualização das políticas de prevenção teve início no ano passado com a aprovação de novas leis e resoluções, cujos avanços trazem maior preocupação com as comunidades que vivem no entorno das grandes barragens.
 
 
O prazo para implementação das ações previstas na Lei se encerra em fevereiro de 2022 e as empresas do setor de mineração aceleram suas ações para estar em dia com todas as exigências previstas.
Como gerente de projetos da Synergia, consultoria socioambiental que há anos desenvolve projetos para o setor de mineração, vejo mudanças positivas na legislação relativa à segurança de barragens a partir de 2020, com a criação de novas exigências que vão além do técnico-operacional e abrangem uma abordagem integrada, envolvendo o conhecimento e o respeito ao território, e participativa porque prevê o estímulo ao engajamento da população afetada.
 
 
Ao todo, três mudanças foram feitas na legislação em 2020 e uma em janeiro deste ano. É evidente que a cultura da prevenção entrou no radar, face ao cenário que decorre dos rompimentos de barragens. O desafio tem sido enfrentado pelas comunidades atingidas, pelo poder público, pela população em geral e pelas próprias empresas responsáveis pelos empreendimentos.
 
 
De acordo com o guia Padrão Global da Indústria para Gestão de Rejeitos de agosto de 2020, é fundamental respeitar os direitos de pessoas afetadas, buscando engajá-las significativamente em todas as etapas da situação. Outro fator essencial é a utilização de uma base integrada de conhecimento, social, econômico, ambiental, como essencial para o desenvolvimento de um projeto robusto de gestão de risco.
 
 
Quesitos de gestão e governança são também destacados nos novos protocolos a serem adotados, como a designação de um engenheiro de registro que possa identificar precocemente fragilidades e estabelecer políticas para apoiar a segurança e a integridade das estruturas de disposição de rejeitos. O manual ainda prevê a aplicação de boas práticas, o preparo de respostas ágeis e eficazes às emergências, um plano de longo prazo para situações de catástrofe e a divulgação pública e o acesso à informação sobre as estruturas de disposição de rejeitos. Dessa forma, é possível criar um sistema de prestação de contas e responsabilização que suporte todos os demais objetivos de forma transversal.
 
 
As aplicações necessárias para o desenvolvimento de Planos de Contingência e para a emissão de ACOS (Avaliação de Conformidade e Operacionalidade) trazem uma visão geral e sistêmica dos procedimentos técnicos e operacionais impostos pela legislação vigente, que foi objeto de mudanças e avanços no último ano, dada a gravidade e a escalada dos acidentes com barragens. Face ao maior rigor de que se revestiu a legislação, essas aplicações vêm entrando crescentemente na agenda dos empreendedores, para se alinharem e responderem às imposições em vigor.
 
 
Quando se olha uma lista de medidas exigidas nos Planos de Contingência e ACOs, o grande desafio que hoje se coloca é pensar para além da tecnicalidade. O propósito maior da legislação que as determinou é, afinal, enfrentar os acidentes a partir de novos parâmetros, em sintonia com a mudança de paradigma que hoje obriga olhar de maneira ampla e abrangente para a questão ambiental, e em consonância com as referências internacionais de boas práticas na gestão de rejeitos. Grandes obras precisam estar associadas à gestão coletiva de riscos, indo além da versão mecanicista e burocrática que muitas vezes deu a tônica de planos associados à segurança de barragem.
 
 
Para colocar a população em segurança e para a implementar as melhores medidas, com a previsão de recursos e responsabilidades, é crucial o mapeamento detalhado e o conhecimento aprofundado do território, das comunidades locais e da população em geral. O cadastramento de populações em zonas de risco, em ZAS (Zona de Autossalvamento) e ZSS (Zona de Salvamento Secundário) por exemplo, deve ser feito a partir de um trabalho de engajamento das comunidades, com transparência e ampla divulgação. Aderência ao território, participação da população e comunicação assertiva podem ser tomadas, assim, como uma tríade essencial e inseparável desse processo.
 
 
Para levarem a cabo um trabalho de tal complexidade, em sintonia com as novas exigências e paradigmas, os atores e/ou empresas que por ele se responsabilizarem precisam estar aptos a oferecerem soluções estratégicas e visão integrada. Isso implica, necessariamente, 1) identificação de sensibilidades sociais e ambientais nas áreas de estudo, 2) criação de estruturas de apoio e fornecimento de bens e serviços para situações de emergência, 3) levantamentos cartográficos e sistema de informação georreferenciada, 4) relacionamento e busca de engajamento das comunidades, 5) interlocução com atores-chave, 6) comunicação assertiva, impingindo ampla transparência ao processo, 7) aplicação de pesquisas quantitativas e qualitativas, de forma a cumprir com os novos dispositivos legais, 8) consolidação das informações, com elaboração de painel com todos os cadastros de moradores, estabelecimentos, equipamentos e fornecedores. Ou seja, tornar o trabalho visível e rastreável.
 
 
Não podemos esquecer das deficiências existentes na outra ponta da cadeia voltada à prevenção de acidentes em barragens: o monitoramento e a fiscalização quanto à aplicação eficiente das leis. O aperfeiçoamento desse processo é, obviamente, primordial para a segurança das barragens, mas também exigirá o engajamento da sociedade para se consolidar.
 
 
*Valéria Sampaio é Gerente de Projetos Synergia
 
 
Sobre a Synergia (https://www.synergiaconsultoria.com.br/)
 
 
Fundada em 2005 por Maria Albuquerque, a Synergia é uma consultoria socioambiental que atende os setores público e privado, oferecendo soluções em mediação de conflitos, desenvolvimento social, relações territoriais e gestão de conhecimento. Atua em todo o território nacional, atendendo às demandas dos segmentos de mineração, siderurgia, indústria petroquímica, gestão pública, agronegócio, agroindústria, saneamento, energia e gestão hídrica.
 
 
Maria Albuquerque é doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), mestre em Sociologia do Trabalho pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e licenciada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia do Recife (FAFIRE).

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    Nino Bellieny

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