Nossos problemas acabaram. Refiro-me aos problemas de enchentes, estiagens e avanço da língua salina pela foz dos rios. Segundo notícia jornalística, os canais abertos pelo Departamento de Obras e Saneamento passarão por limpeza de cabo a rabo. Ótimo. Já que foram abertos, devem passar por manutenção periódica, desde que não se provoque mais dessecamento das terras, como propôs a COPPETEC/UFRJ em projeto de recuperação hídrica da Baixada em 2011. Inclusive, a restauração de áreas úmidas contribuiria bastante para a agropecuária regional, conforme o mesmo projeto.
Outra notícia informa que, finalmente, a iniciativa pública vai construir um reservatório em Minas Gerais para regular o regime hídrico do rio Paraíba do Sul. Confesso que fiquei meio confuso quanto ao local escolhido para a construção. Será no afluente Paraibuna de Minas ou no afluente Muriaé? Depois da enchente de 2012, que a maioria das pessoas já deve ter esquecido, o Governo do Estado do Rio de Janeiro concebeu um sistema no rio Muriaé que consistia em formar lagos na retaguarda de Laje do Muriaé, Itaperuna e Italva. Esses lagos seriam conectados ao rio por dois canais. O primeiro desviaria água excedente acima da cidade e a lançaria no lago. O segundo escoaria a água excedente para o mesmo rio abaixo da cidade. Só Cardoso Moreira não seria beneficiado com o sistema. Para proteger a cidade, seria construído um dique fortificado.
O sistema sofreu críticas inclusive de um membro do grupo que o propôs. Acumulando muita água nos lagos atrás das cidades e lançando-a de imediato no rio, as enchentes poderiam se agravar no trecho final do Muriaé. Campos poderia sofrer mais ainda com elas. Mesmo assim, foram abertas licitações para o sistema. Quatro empresas concorreram. Era um jogo de cartas marcadas. A vencedora convidaria a segunda para os trabalhos, enquanto as outras duas ficariam com obras na Barra da Tijuca. O esquema foi descoberto por um jornalista, que o denunciou. As obras acabaram não saindo. Depois, apareceu um técnico que propôs barragens nessas lagoas para que elas funcionassem a fio d’água, ou seja, uma vez saturados os lagos, a água excedente passaria por cima da barragem e voltaria ao rio.
A ideia não deixou de ser interessante por acompanhar os ensinamentos da natureza, sobretudo no final do rio Muriaé. Entre Cardoso Moreira e a desembocadura do rio no Paraíba do Sul, existem várzeas e lagoas que absorviam água das cheias e a devolviam ao rio nas estiagens. Mas o ocidente e o mundo ocidentalizado entenderam que a engenharia deve suplantar a natureza e dominá-la. Veio então a concepção de barrar rios para formar reservatórios, regular regime hídrico e gerar energia elétrica. Hoje, segundo a ONU, 2/3 dos rios do mundo sofrem algum tipo de barramento.
O que se quer dizer é que um possível reservatório para alimentar o rio Paraíba do Sul depois da barragem de Santa Cecília não deve recorrer mais ao barramento de rios. Sabemos que o desvio de 2/3 do volume do Paraíba do Sul para o Guandu é um roubo nocivo ao grande rio. Atrás de Santa Cecília existem quatro reservatórios. Á frente dela, existem aqueles resultantes de hidrelétricas. Um reservatório no Paraibuna de Minas repetiria a tão surrada e ineficaz solução centralizada para um problema. A construção de um reservatório no rio Muriaé só beneficiaria o Norte Fluminense. O grande estirão do rio entre o Paraibuna e o Muriaé continuaria sofrendo as consequências de enchentes e estiagens severas.
Qual seria o caminho mais adequado? Aqui, quem escreve é um historiador. Sigo o engenheiro campista Saturnino de Brito, que morreu em 1929. Suas soluções não se aplicam totalmente nos dias de hoje. Mas Saturnino era um admirador de José Bonifácio e buscava aprender ao máximo com a natureza. Em seu primeiro trabalho, no Crato, Ceará, ele propôs para as secas prolongadas a construção não de um açude, mas de vários que coletassem água de chuva. No projeto de saneamento da Baixada dos Goytacazes, ele propôs contar com as lagoas da margem esquerda do Muriaé.
Sigo também ecólogos e hidrólogos: reservatórios formados por barragens no leito de rios não são mais solução admissível. Elas afetam o regime hídrico dos rios e a vida aquática. Os reservatórios devem ser construídos às margens dos rios e regulados por comportas na entrada e na saída. Durante as enchentes, o canal de entrada deve permitir o acesso da água; e depois, fechado. Um só grande reservatório não basta. Eles devem ser menores e distribuídos nas sub-bacias do Paraibuna, do Pomba e do Muriaé para revitalizar o trecho Santa Cecília-foz. E a abertura deles não dispensa nenhuma autoridade de promover o reflorestamento de margens, pontos de recarga, nascentes, encostas e topos de morro.