Renato Marion Martins de Aquino e Oswaldo Barreto de Almeida
- Atualizado em 13/09/2021 19:33
Igrejas católicas de várias cidades de nosso país têm instituído em seus templos programas de música na igreja, quando promovem com seus corais, ministérios de música, ou com ONGs especialmente convidadas recitais e apresentações de músicas sacras, eruditas e de outras versões próprias para as igrejas, destinadas aos seus fiéis e convidados. Buscam, com esses programas, reconhecer, transmitir e louvar os “dons” especiais que o Senhor dá a suas criaturas para a música e o canto. Para nós, cristãos, esses “dons” nos são dados, a uns para bem compor, a outros para bem interpretar, e a todos nós para ouvirmos, nos tocarmos pela forma harmoniosa com que chegam aos nossos ouvidos e penetram em nossos corações, transmitindo alegria, emoções, paz, concentração e união, para fortalecerem nossas preces.
Santo Agostinho, grande doutor da Igreja Católica, dizia que “quem canta, reza duas vezes”.
Registra a história que o uso desses “dons” nos cultos e celebrações remonta à Grécia antiga. Cultivada em Jerusalém, a prática foi adotada pela Igreja Apostólica Romana e continua usada em nossos dias, de forma cada vez mais intensa.
No Brasil, o uso da música e do canto como prática nas celebrações religiosas foi introduzido pelos Jesuítas, onde sobressai a figura do padre José de Anchieta, que usava a música inclusive na catequese de índios e escravos, intercalando com práticas teatrais e declamações para evangelizar, inclusive, os filhos dos colonos portugueses.
Nos Campos dos Goytacazes, também os jesuítas foram precursores dessa prática. Sua introdução foi marcada historicamente em 1730, quando, para recepcionar o ouvidor geral do Rio de Janeiro, os jesuítas trouxeram para a sua sede, na Fazenda do Colégio, o primeiro órgão e o exímio organista e orquestrador jesuíta Pedro Leam, que, com outros músicos locais, compôs a primeira orquestra para celebrações religiosas na região.
A partir daí, as capelas que dispunham de recursos passaram a montar seus corais com música, e assim também o fizeram os senhores de engenhos de maior posse.
Independente das conquistas na vila e na cidade, tivemos evoluções marcantes com revelação de bons cantores e músicos no meio rural.
Em fase mais avançada, no interior, criou-se até bandas musicais, como a Esterpe São Sebastinense, em São Sebastião; em São Gonçalo, hoje Goitacazes; em Santo Amaro, Dores de Macabu e outros distritos, nos quais atuavam, principalmente, nas festas e celebrações religiosas. Lastimavelmente, elas não mais existem. Na área central de Campos, as que permaneceram estão em dificuldades e pouco prestigiadas.
Para fazer face a este vazio que está se estabelecendo em nossa comunidade, a Igreja de São Francisco de Campos, desde 2011, vem promovendo em seu templo o seu programa “Musica na Igreja”. E o fez dando curso a uma nossa condição muito própria e especial. Nosso patrono, São Francisco de Assis, que sempre louvou os “dons” que o Senhor nos oferece, já no século XIII preconizava aos que o seguiam buscar sempre a preparação espiritual interior e exterior para enfrentar os desafios da vida, usando, entre outros “dons”, a poesia, a música e o canto. Materializou essa indicação com sua famosa “Oração de São Francisco”, que é, hoje, universalmente declamada e cantada, nos trazendo uma forte mensagem de vida cristã. Assim, para implementar nosso programa, fizemos uma associação com a ONG Orquestrando a Vida e a Orquestra Sinfônica Mariuccia Iacovino, formada por jovens em sua maioria da periferia de Campos, de forma que incorporamos em nosso programa uma forte componente social.
Nesta simbiose, a nossa igreja, além de dar o estimulo contratual aos jovens, na parte técnica, com a ONG que nós apoiamos, tem tido também a oportunidade de trazer a Campos expressões do canto e instrumentistas de nível nacional dos quadros do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e até de nível internacional, como foi o caso da soprano Angélica de la Riva, que se iniciou em Campos, na Orquestrando a Vida, alçou voo mais alto em nível internacional, voltou a Campos e se apresentou em nossa igreja, dando exemplo de perspectiva aos jovens da sinfônica Mariuccia Iacovino. Registre-se que, após as apresentações em nossa cidade, Angélica articulou e promoveu a ida da sinfônica aos Estados Unidos, para turnê de apresentações, o que representou o máximo de experiência para os nossos jovens.
Por derradeiro, não podemos deixar de registrar que as apresentações desse programa de nossa igreja revelaram também uma grande conquista do nosso templo no campo arquitetônico. Construída há mais de dius séculos e meio, nossa igreja apresenta uma acústica privilegiada, enaltecida por todos os interpretes de nível nacional e internacional que ali se apresentaram.
Por fim, resta encarecer à nossa comunidade o necessário apoio que devemos dar a essa ONG, a “Orquestrando a Vida, instituição sem fins lucrativos que conosco vem emprestando esse grande serviço à nossa terra no campo cultural. Assim também, queremos concitar aos órgãos públicos da região para que voltem a apoiar as bandas musicais, para que, no nosso interior e na nossa cidade, elas voltem a apresentar as “retretas” nas praças e nos jardins, como preconizou nosso Chico Buarque.
*Renato Marion Martins de Aquino integra a Comissão Cultural da Ordem 3ª de São Francisco
*Oswaldo Barreto de Almeida é ministro prior da Ordem Terceira