Arthur Soffiati - Cinquenta anos de ambientalismo (IV)
Arthur Soffiati - Atualizado em 01/09/2021 17:14
Entre os socialistas, emergiu, nos anos de 1970, uma plêiade de pensadores que empreenderam uma crítica radical ao modo de produção capitalista não apenas na sua dimensão social, como também em suas relações com a natureza. O preço pago por eles foi o banimento ou o autoafastamento dos partidos comunistas. Alguns nem pertenciam aos quadros de um partido. Apenas revelavam postura progressista, o que facilitou a apresentação de suas obras. Os mais expressivos pensadores progressistas que incorporaram a questão ambiental de forma inovadora às suas reflexões foram Rudolf Bahro, Michel Bosquet (pseudônimo de André Gorz), Jean-Pierre Dupuy, Ivan Illich, Dominique Simmonet, Laura Conti. No campo da economia, o novo paradigma irrompe nos trabalhos de Schumacher, Georgescu-Roegen, Ignacy Sachs, Herman Daly e Richard Wilkinson, para só citar os mais conhecidos. Esta linha de pensamento ficou conhecida como ecologismo. Se cabem, nesse escrito, posicionamentos pessoais, o autor filiou-se a ele de pronto, fascinado pelas reflexões de seus representantes, e pretendeu expressá-la na região em que vive em pensamento, ação e escritos.
No anarquismo, os nomes mais representativos são os de Murray Bookchin e Roberto Freire.
Das três correntes anteriores e posteriores à Conferência de Estocolmo, o exponencialismo liberal e o socialista continuaram a vigorar. Na Conferência Rio-92, Fidel Castro ainda sustentava que a espécie mais ameaçada de extinção era o homem. João Almino escreveria artigos resistindo às propostas de incorporação da questão emergente ao socialismo ou buscando efetuar uma tipologia confusa das correntes ideológicas pós-Estocolmo.
De forma difusa, sem nomes expressivos, o liberalismo resistiu a mudanças de pensamento, mas também avançou dentro da ONU com a Comissão Brundtland. Promovendo audiências públicas em todo o mundo, a Comissão publicou, em 1987, o livro “Nosso futuro comum”” com a proposta de desenvolvimento sustentável ou simplesmente sustentabilidade. O autor deste artigo esteve presente à audiência pública realizada em São Paulo. Sem saber com clareza o que se discutia, ele ofereceu como contribuição um texto em que expressava suas convicções ecologistas, aliás, incluído nas referências do livro. Mais uma vez, reforço a percepção de que não existem tipos ideais. O conceito de sustentabilidade é liberal, mas incorpora questões caras ao socialismo, como distribuição de renda, saneamento básico, redução das desigualdades sociais, direitos universais do cidadão etc. Tanto que desenvolvimento sustentável tornou-se hoje um conceito vulgarizado pela direita e pela esquerda. O conceito norteou a Conferência Rio-92, a Rio+20 e todas as conferências temáticas patrocinadas pela ONU. Na Rio+20, buscou-se em vão substituir o conceito de sustentabilidade pelo de economia verde. Cabe observar que, na Conferência Rio-92, a Cúpula dos Povos, reunindo tendências progressistas, efetuou cerradas críticas à proposta de desenvolvimento sustentável. No entanto, o conceito acabou por triunfar.
Socialistas que não aceitavam mais a tradicional postura exponencialista e que repudiavam a postura liberal de desenvolvimento sustentável sem a devida crítica avançaram para a concepção de Justiça Ambiental, hoje um movimento com fortes alicerces no Brasil. Por outro lado, Michael Löwy formulou o Ecossocialismo, que não se propagou tanto quanto Justiça Ambiental.
O quadro se torna mais complexo quando se consideram as combinações da questão ambiental com as diversas doutrinas religiosas e os movimentos feminista (ecofeminismo), de gênero e de raças. Ainda mais se levarmos em conta que as posturas preservacionistas, conservacionistas e ecologistas perduram em nichos. O veganismo conserva muito do preservacionismo e é defendido por pessoas liberais e socialistas. O conservacionismo continua presente em orientações liberais que defendem a criação de Unidades de Conservação, por exemplo. Por outro lado, as teorias da Justiça Ambiental e do Ecossocialismo não substituíram de todo o ecologismo, do qual ambas derivam. O autor destas linhas ainda se insere parcialmente em tal tendência desde os anos de 1970, entendendo-a como a primeira utopia planetária até pouco tempo.
Mas, deve-se reconhecer que o liberalismo está dando as cartas. Existe uma tendência liberal radical que se expandiu depois da queda da União Soviética e dos países socialistas europeus entre 1989-1991. Tal queda foi saudada como o fim da história e abriu caminho para o avanço do neoliberalismo. O Estado de bem-estar social, que combinou liberalismo e socialismo, está sob o fogo cerrado do neoliberalismo. Contudo, as condições objetivas evidenciam cada vez mais que o Estado, mesmo no mundo liberal, não pode reduzir-se a dimensões mínimas. Tanto os problemas sociais quanto a pandemia causada pelo novo vírus corona (Sars-Cov-2) e a crise ambiental exigem o retorno de um Estado de bem-estar agora socioambiental.
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