A uma semana do lançamento de um documentário sobre a história do grafite em Campos, produzido pelo Ide Studio Criativo, o designer e grafiteiro Anderson Santos foi ameaçado por eleitores do presidente Jair Bolsonaro enquanto realizava um trabalho em Campos. Contratado pelo proprietário de um estabelecimento para fazer um grafite com cunho de protesto num muro à rua Conselheiro Otaviano, Andinho Ide, como é conhecido, conta que um dos ameaçadores chegou a apontar uma arma para ele, que relata ainda ter ouvido xingamentos e críticas. O caso aconteceu no último sábado (31).
— Uma pessoa entrou em contato comigo para encomendar o trabalho. Como peço a todos os clientes, foram me passadas informações sobre o tamanho do muro, o local e o tema. Como havia caráter de protesto, eu só disse que não colocaria nomes, mas que poderia usar uma licença poética em referência a uma determinada pessoa ou determinada situação. Depois que a pessoa aprovou o layout e o valor, fez um pix, e eu combinei de fazer a pintura em dois dias, pelo tamanho do muro — explica o grafiteiro.
O trabalho começou a ser realizado na sexta-feira (30), dia em que, segundo Andinho Ide, um morador de uma vila vizinha ao estabelecimento o abordou questionando sobre o trabalho e disse que se a crítica fosse a Bolsonaro, iria apagá-lo. O grafite, após concluído, continha a palavra “genocida” e, no lugar da letra ‘o’, um palhaço usando a faixa presidencial.
— No sábado, voltei para fazer a pintura, que já estava tomando forma. Cheguei por volta das 7h. Quando eram 9h e pouca, já com bastante coisa pronta, eleitores de Bolsonaro que passavam de carro me chamaram de maconheiro. Um deles me perguntou se a maconha estava boa. Até aí, tudo bem. Mas teve um cidadão que não só passou, como colocou uma pistola para fora do carro e comentou: “Local bom para fazer um tiro ao alvo” — detalha o artista: — Enquanto era só verbal, eu estava tranquilo. Quando partiu para essa situação, fiquei mais ressabiado. Acaba que eu nem completei o layout original, terminei a pintura de uma outra forma, para não me alongar muito no painel.
Já na parte final da pintura, Andinho foi abordado por outro eleitor de Bolsonaro, que teria relação com a política campista.
— Me abordou de forma muito educada e perguntou se eu tinha autorização para fazer o trabalho ali. Eu respondi que tinha sido contratado pelo responsável pelo espaço. Ele disse que ia apagar, e eu comentei que, se apagasse, estaria cometendo vandalismo, porque o dono do muro havia autorizado a pintura. A mesma resposta que eu tinha dado para o vizinho. E pedi para que esperasse eu terminar e receber pelo meu trabalho. Ele começou a falar que aquilo era inconstitucional. E, sinceramente, eu não queria entrar em debate com ele, só queria terminar o meu trabalho, receber por ele e ir embora almoçar, porque já eram quase 14h — comenta Andinho.
Ainda de acordo com o grafiteiro, moradores da vizinhança com ideologia de esquerda também passaram pelo local e começaram a discutir com o eleitor de direita que reclamava da pintura. O profissional foi embora, mas depois recebeu mensagens no Instagram com o vídeo do trabalho sendo apagado por pessoas contrárias.
— A arte, mesmo ficando lá por poucos minutos, cumpriu o seu papel de proporcionar uma reflexão. Não se tratava de um trabalho autoral meu, mas, mesmo que fosse, ele não poderia ter sido apagado. O que eu deixo de mensagem às pessoas é para que elas pensem antes de entrar numa loucura dessa, porque o extremismo, tanto de pessoas de esquerda quanto de direita, já está passando dos limites — desabafa o artista: — Acredito que é saudável debater as ideias, como muitas pessoas fizeram comigo pelo Instagram. Muitas pessoas elogiaram, algumas queriam que eu tomasse partido de um ou outro, queriam que eu pintasse “mito” para Bolsonaro. Mas é um tipo de trabalho que não vou aceitar, porque não quero passar por isso novamente, agora pelo outro lado. Não vou me omitir de ter a minha opinião, tenho as minhas visões políticas e filosóficas, mas isso não influencia em nada no meu trabalho. Atendo e trato a todos os clientes de forma igual, independente de serem de direita, esquerda ou de centro.
O vídeo do grafite sendo apagado foi publicado no perfil de Instagram do ex-candidato a vereador Carlos Victor Carvalho, que se identifica como CVC, filiado ao Republicanos e ligado a um grupo de direita de Campos. Carlos Victor destaca na publicação que o grafiteiro foi contratado para o realizar o serviço, trata o grafite como “pichação” e o adjetiva como “um ato criminoso realizado por um grupo de esquerdistas, (...) com clara intenção de ofender a honra e difamar o presidente da República, ato considerado crime”.
— Segundo informações colhidas no local, o muro em questão não era de propriedade de nenhum dos responsáveis por esse ato criminoso, que também imputa crime (...). Não poderíamos ter saído do local sem resolver de fato o problema. Então, me uni aos vizinhos de direita e começamos a pintar o muro. Que sensação maravilhosa — complementa Carlos Victor na legenda da postagem.
Documentário — O Ide Studio Criativo lançou nessa sexta-feira (6) o primeiro episódio do documentário “Linha do tempo do Graffiti em Campos”, que apresenta detalhes sobre o movimento de grafiteiros na planície goitacá de 1998 a 2020. Neste sábado (7), a parte complementar será publicada no canal de YouTube do estúdio realizador. Há no filme registros desde os primeiros rabiscos até painéis atuais existentes na cidade, comentados por artistas como Andinho Ide, Fabi, Endi 317, Chip, Switch, Jhony MisterBOD, Dom, Gás, Kane KS, Fran, Fábio Dyrua, MV, Elioberto, DogJam, Art, Pablo Malafaia e Zack. A produção é assinada por Anna Franthesca, com direção de Andinho Ide, em projeto contemplado pela lei federal Aldir Blanc, via secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa,.
Também com incentivo da lei Aldir Blanc, e com apoio da Prefeitura de Campos e do Conselho Municipal de Cultura, já havia sido lançado em abril, pelo coletivo de grafiteiros Lamparones Crew, o curta-metragem “Caligrafia Urbana”. Nele, é mostrada a trajetória do grupo específico, com detalhes do processo criativo de um painel no bairro Jóquei Clube.