Fiquei com a alma em festa quando recebi de ex-alunos dos bons velhos tempos do Colégio Rui Barbosa e da Escola Agrotécnica de Campos, bem como da Faculdade de Filosofia de Campos e da Faculdade de Direito de nossa Terra, comentários sobre o brilho mais uma vez alcançado pelo acadêmico Genilson Soares ao tratar do Cine Teatro Trianon. Eu disse para eles, no playground do edifício em que moro, que não me surpreendi com o fulgor intelectual de um dos mais conceituados membros da Casa de Nelson Pereira Rebel. Destacando, ainda, que ele, além de ter conhecido de perto o Cine Teatro Trianon, é um dos mais conceituados pesquisadores de nossa terra. Tanto assim, que o brilhante aluno Pedro Henrique Ribeiro, da Universidade Cândido Mendes, o escolheu sem pestanejar, juntamente com a cintilante Rafaela Machado, que está atualmente dirigindo o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, para colaborarem na iniciativa patriótica da representação artística do Levante Histórico de 21 de maio de 1748, em que avultam figuras da expressão de Benta Pereira e de Mariana Barreto, como se pode verificar no magnífico texto de Matheus Berriel publicado pela Folha da Manhã.
Gostaria de dizer aos meus heroicos leitores, que eu também fui um apaixonado pelo Trianon, pois nos anos quarenta do século passado, nele assisti inúmeras vezes espetáculos deslumbrantes. Algumas vezes na torrinha, como nós chamávamos a galeria (área criada para os pobres), quando acompanhava num gesto de carinho os colegas do Liceu com pouco dinheiro no bolso. E inúmeras vezes com o meu pai e minha mãe, na frisa do lado direito, vale dizer, no lado direito da resplendente estrutura física da parte de dentro do Trianon, pois eles não perdiam as magníficas manifestações artísticas de suas suarês (neologismo criado pelos campistas da época). E delas jamais esqueci com o maior encantamento. Todavia, há momentos que tenho lances de tristeza e de indignação pelo crime que perpetramos matando o Trianon.
Parece-me oportuno explicar, que jamais me surpreendi com o fato de que as sessões (intervalos de tempo, no caso aqui tratado, para se deleitar) de gala do Trianon, sempre levadas a efeito, no início das sete e meia das noites de domingo e chegando a ultrapassar muitas vezes as vinte e duas horas, em que o fulgor da representação artística chegava a suplantar o brilho das estrelas e da própria lua, fossem chamadas em Campos de suarês, soirées. Sim, suarês, soirées, noitadas cujo foco era de fato se deleitar com as manifestações de ordem estética, porque os campistas da gema procuravam, na busca da beleza, mergulhar no sonho de terem vivido em Paris saraus inesquecíveis. Daí, sem medo do ridículo, criarem um vocábulo em português que expressasse a palavra francesa soirée. É que a maioria dos que se refestelavam babando de gozo, nas cadeiras do Trianon, era de famílias ricas ou remediadas. Cujos professores, embora festejassem ardorosamente os nossos grandes poetas, guardavam na alma também os admiráveis poemas de Victor Hugo, de Baudelaire, de Mallarmé, de Paul Verlaine e de Alfred Musset. Para não se falar que o professor Álvaro Duarte Barcelos, no Liceu de Humanidades de Campos, alertava os seus alunos dizendo que “os brasileiros se tornariam bem melhores, se iluminássemos o patriotismo, a busca do poder econômico e o exercício fecundo da democracia com a beleza”. Não sendo outra a opinião de Newton Périssé Duarte, pois para ele “a música e a poesia aguçam a inteligência e abrem a alma para o amor ao próximo”. Para não se falar que o célebre filho de Manoel Rodrigues Peixoto (primeiro prefeito da nossa cidade), o querido membro da Academia Campista de Letras Izimbardo Peixoto, então curador geral da Comarca de Campos, afirmava com veemência que a importância do Trianon estava sobretudo em abrir espaço para ricos e pobres. Enfim, pelo seu alto sentido educacional.
E parece-me também oportuno lembrar que os enamorados da beleza que frequentavam o Trianon nos dias de festa e que ficavam nas cadeiras (local mais próximo das apresentações artísticas), eram os primeiros a chegar para assistir as sessões de gala, enquanto os que iriam usar os balcões, embora também amantes do belo, sofriam por não ter chegado a tempo de alojarem-se nos lugares mais próximos da manifestação artística. Por outro lado, os que se acastelavam nas frisas, quer do lado direito, quer do lado esquerdo, se fossem moças bonitas e maravilhosamente bem vestidas a aguardarem o espetáculo, não perdiam a consciência, a convicção de que estavam deixando os seus admiradores de queixo caído. Enquanto outras mocinhas, também bonitas e elegantes, agradeciam a Deus por viverem numa cidade que as proporcionava momentos da mais pura beleza. Enquanto os homens das frisas tinham os olhos voltados para os que se encontravam nas cadeiras.
Sendo pertinente destacar que certos empavonados dos camarotes, lá bem em cima dos que não tinham a sua riqueza, possivelmente nos olhassem com desdém. Enquanto os que na torrinha, na galeria repleta, que se voltavam tranquilamente para o espetáculo, nos levavam a lembrar que é imperioso dar aos pobres o que temos nas mãos e na alma. Algo que aprendi com o admirável Francisco de Paula Carneiro ao abrir as portas do Trianon para os menos afortunados. Todavia, numa entrada para os espetáculos distinta da que iam usar os ricaços e os riquinhos... Espantosamente, os pobretões ficavam num local acima do lugar em que se refestelavam os endinheirados dos camarotes. Mas, de tal forma que os humildes não podiam bagunçar o coreto. Algo que eles jamais tentaram realizar, pois sempre se empenhavam ardorosamente na busca da beleza, pois não tinham a mínima intenção de se exibir, como ocorria com muitos frequentadores dos grandes espetáculos do Trianon.
Sendo bom destacar que o notável Francisco de Paula Carneiro teve a maior preocupação em estabelecer o requinte, o aperfeiçoamento extremo do Trianon, mas com o cuidado dele estar sempre aberto na torrinha, na galeria, para os pobres. Toda esta preocupação humanística foi destruída pelos potentados de algumas camadas sociais de nossa terra. Dentre eles, alguns donos de bancos só preocupados com a localização dos seus negócios para ganharem mais dinheiro. E pelos fracotes que, ao invés de se revoltarem fortemente contra a iniciativa anti-humana, limitaram-se a realizar, no próprio Cine Teatro Trianon, uma manifestação artística dele se despedindo poucos dias antes de sua criminosa destruição. Que horror!