Por um amigo que mora na Grécia, recebo informações detalhadas de que Turquia, Grécia, Albânia, Itália, Macedônia e países do norte da África ardem em chamas. Em Lagadas, norte da Grécia, os termômetros registraram 47,1º. Em Plakias, sul do mesmo país, a mínima foi de 36º. Mesmo num país tropical como o Brasil em pleno verão, convenhamos que essas temperaturas seriam insuportáveis para nós. Especialistas consideram as temperaturas do verão do hemisfério as mais altas desde que os registros começaram a ser feitos. Sabemos que, no Holoceno setentrional, por volta de 6 mil anos antes do presente, as temperaturas foram mais elevadas. Contudo, elas eram provocadas pela própria natureza. Ainda não havia cidades como as atuais, que estão em 2021 ameaçadas por incêndios florestais onde as florestas são todas domesticadas.
Nos últimos dez anos, a Europa meridional foi assolada por cinco grandes ondas de calor. A de 2021 está sendo a mais duradoura e causticante. Sabe-se que incêndios são comuns no entorno do mar Mediterrâneo, mas não na proporção e intensidade dos que ocorreram na última década. A Península Ibérica também está sendo castigada por altas temperaturas e incêndios. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), recentemente divulgado, alerta que fenômenos climáticos extremos vão se tornar mais frequentes e mais intensos.
Na Turquia, os incêndios também têm sido arrasadores. Eles estão usados pela oposição e pela situação. A oposição culpa o governo, e este diz que os incêndios já estão controlados.
A questão do aquecimento global continua sendo minimizada ou tratada de forma superficial. Primeiro: os cientistas ainda hesitam em associar os incêndios na orla do Mediterrâneo, na Sibéria, no Canadá, nos Estados Unidos e no Brasil com o aquecimento global. Já se admite que o aquecimento global é uma realidade. Já se admite que a Terra está mais quente e mais seca por ações praticadas por humanos no superfície do planeta. Mas existe ainda hesitação em relacionar mudanças climáticas com altas temperaturas, secas severas, incêndios, chuvas arrasadoras, tempestades de vento e ressacas violentas. Segundo: a imprensa dos países não afetados silencia esses fenômenos quando eles ocorrem longe dos países em que o jornal é publicado. Do ponto de vista jornalístico, merece mais atenção a morte de uma celebridade por acidente ou por Covid. Por outro lado, a imprensa dos países afetados relata onde ocorreram os focos de incêndio, quantas pessoas morreram e o depoimento dos que viveram o fenômeno. O que é estrutural passa a ser eventual. É como se uma ponte tivesse caído ou um barco afundado, não os motivos da queda e do acidente.
Entende-se. A imprensa cuida do eventual, como disse o historiador Fernand Braudel. Um jornalista mais esclarecido poderia dizer que é através do eventual que o historiador chega ao estrutural. Não se pode dizer que a imprensa passe a ser um órgão de divulgação acadêmica. Enquanto a comunidade científica ou certos setores dela discutem se se pode atribuir a seca do centro-sudeste do Brasil às mudanças climáticas, convém que as vozes de cientistas lúcidos alertem com firmeza sobre os novos tempos. A Terra está mais quente e seca, o que pode provocar chuvas e neve. O grande mecanismo celeste está perturbado com tanta injeção de gases do efeito-estufa que o aumento das temperaturas pode causar a queda brutal delas em partes do mundo.
A imprensa também deve abrir espaço para a opinião de especialistas, para entrevistas com eles e para artigos que abordem a questão de forma estrutural e global. Ao menos conjuntural. Desde os primeiros anúncios de especialistas quanto às mudanças climáticas, não hesitei em crer nelas. Nunca tergiversei sobre elas, como fizeram muitos colegas meus. Mesmo com dúvidas e sem o devido conhecimento cientifico em climatologista, não rechacei os alertas de especialistas. Nunca fui negacionista. Nunca temi ser motivo de chacota de meus colegas. Por outro lado, sempre encontrei espaço nos jornais em que escrevo para tratar da crise ambiental da atualidade, embora sabendo que não sou lido. Mas, devo observar, colegas meus da área de ciências da natureza e de ciências sociais não apenas têm sido incapazes de compreender os novos tempos como ainda escondem risotas. A crise ambiental também é resultado das contradições da economia de mercado, tanto quanto a questão social. A natureza foi finalmente alcançada pelas forças de destruição. E o pior é que não vislumbramos a possibilidade real de um novo sistema se constituir.
Lembro novamente a lenda do rei Midas. Ele queria o dom de transformar em ouro tudo o que tocasse. Foi atendido. Objetos de vidro, cerâmica e outros transformavam-se em ouro, mas sua comida também. A economia de mercado produziu muitas riquezas, embora não tenha promovido sua justa distribuição. Mas essa riqueza está custando caro aos que se enriqueceram e aos que permaneceram pobre.