Para compreender os posicionamentos político-filosóficos que emergiram na Conferência de Estocolmo (1972), o evento promovido pela ONU que inaugurou oficialmente o ambientalismo, cumpre retornar ao Iluminismo e à Revolução Francesa. Na transição do século XVIII para o XIX, três tendências se afirmam: o liberalismo, o socialismo e o anarquismo. A crise ambiental global estava em marcha desde o século XV, com a expansão europeia. No fim do século XVIII, ela se aprofunda com a Revolução Industrial. Adam Smith e François Quesnay afirmam o liberalismo, propondo o progresso das nações por dois caminhos distintos. Smith enfatiza o industrialismo, fundando a Escola Clássica. Quesnay funda a Escola Fisiocrata, pleiteando o progresso pelas atividades rurais.
Embora os Estados Unidos priorizassem o desenvolvimento pela via industrial, a Escola Fisiocrata influenciou o movimento de proteção à natureza contra um crescimento econômico que se revelou predatório. Catherine Larrère mostrou como esse movimento se dividiu em duas tendências. Ambas desejavam a criação a proteção de amostras significativas ou de monumentos naturais. Seriam os “Parques”. Nos Estados Unidos, uma corrente pleiteava a criação de parques abertos à visitação. Outra, pretendia que tais parques fossem fechados para a proteção integral da natureza. O movimento de “proteção da natureza”, nos Estados Unidos divide-se, assim, em conservacionismo e preservacionismo (LARRRÈRE, Catherine. “Duas filosofias de proteção à natureza”. SANTOS, Antônio Carlos dos. “Filosofia e natureza: debates, embates e conexões”. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 2008).
O conservacionismo se insere no liberalismo ao propor a proteção de áreas de especial importância ambiental e cênica para visitação que contribuam para a educação. Do lado de fora delas, o crescimento econômico pode continuar desenfreado. Já o preservacionismo pleiteia a criação de áreas importantes para a proteção da vida selvagem, sem a visitação. Ela pode combinar-se com o liberalismo na medida em que o crescimento econômico destrutivo atue fora das áreas protegidas. Existe nessa postura o saudosismo de uma natureza virgem.
No Brasil, a Escola Clássica não exerceu influência expressiva no século XIX. Ela se manifestou apenas no projeto industrialista do Barão de Mauá. A Escola Fisiocrata, ao contrário, influenciou significativamente os jovens ricos que saíam do país para estudar em Coimbra ou em Paris. O Brasil era dominado por uma economia rural predatória, de um “exponencialismo” exacerbado. Esses jovens ou senhores, ao retornarem ao Brasil, passaram a defender o desenvolvimento do país pela via rural, até porque o ruralismo predominava. Os nomes mais expressivos são os de José Bonifácio e Joaquim Nabuco (Cf. PÁDUA, José Augusto. “Um sopro de destruição, 1786-1888”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002). Essa tradicional linha liberal de proteção à natureza ganhou adeptos célebres, como André Rebouças, Euclides da Cunha, Alberto Torres e Luís Amaral, desembocando na criação da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, em 1958. Ela pleiteava a proteção de parcelas significativas de ambientes nativos em pontos estratégicos e principalmente a conservação da água.
Do Iluminismo e da Revolução Francesa também emergiu o “socialismo”, que terá em Marx e Engels seus maiores representantes. Ambos mostraram os impactos do modo de produção capitalista nos humanos e na natureza.
No geral, contudo, prevaleceu neles a preocupação com a dimensão social. De forma reducionista, entendeu-se que uma revolução comunista socializaria os meios de produção, mas não abdicaria do projeto de domínio da natureza em favor do homem. Na revolução russa de 1917, prevaleceu um projeto produtivista não muito distinto do projeto liberal de dominação da natureza.
Por fim, o “anarquismo”. No final de sua vida, Rousseau adotou postura análoga à do anarquismo em seu último livro, “Os devaneios do caminhante solitário”. Identificamos em Rousseau traços liberais, socialistas e anarquistas. O primeiro anarquista pensador a escrever sobre os impactos da economia sobre a natureza foi o norte-americano Henry David Thoreau (1817-62) em “Walden ou a vida nos bosques”. Contudo, seu anarquismo vinha contaminado pelo liberalismo radical representado por um exacerbado individualismo e pela desobediência civil. O pensador anarquista que mais associou a questão social à ambiental foi o russo Peter Kropotkin (1842-1921).
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