O município de Campos há tempo utiliza recursos dos royalties e participação especial (PE) para quitar a folha de pagamento, e quer continuar usando, apesar da recomendação do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) para que essa prática seja descontinuada a partir de 2021. Para tanto, o prefeito Wladimir Garotinho, que apresentou o posicionamento do TCE como justificativa para alterar o Código Tributário Municipal, enviou à Corte uma proposta de Termo de Ajustamento de Gestão (TAG), solicitando aval para continuar utilizando esses recursos no pagamento dos servidores.
Dinheiro de royalties não pode ser usado para pagamento de dívida ou no quadro permanente de pessoal. A regra, entretanto, só se aplica aos recursos até 5% da arrecadação, conforme determina a Lei 7990/89. Por outro lado, os royalties excedentes (acima dos 5%) e participações especiais são disciplinados pela Lei 9478/97 — a Lei do Petróleo —, que não veda a sua utilização para pagamento de pessoal.
— Pela ótica econômica, é prudente não utilizar recursos escassos, como os royalties e as participações especiais, no custeio da máquina, especialmente no pagamento de pessoal permanente. No entanto, do ponto de vista jurídico, esta restrição imposta pelo art. 8 da Lei 7990/89 continua valendo apenas para os royalties até 5%, não se aplicando à parcela excedente ou às participações especiais. E esse termo parece estar sendo discutido para tirar o peso da recomendação do TCE — ressalta o advogado Cléber Tinoco.
O consultor de Petróleo, Gás e Tecnologia Wellington Abreu concorda com a recomendação do TCE e destaca o risco de não se planejar a aplicação das compensações financeiras pela exploração do petróleo e gás, o que já compromete a saúde financeira de municípios e do Estado.
— Concordo com o posicionamento do Tribunal. Não só municípios, mas o Estado e a União devem ter mais responsabilidade com o uso desses recursos e já passou da hora de os gestores repensarem essa prática. Entretanto, não há como fazer isso de uma hora para outra. O grande desafio, no momento, é buscar um entendimento com o TCE para que essa mudança seja gradativa, que os entes possam fazer a transição para essa nova realidade, de uso consciente e planejado desses recursos — destaca Wellington.
De acordo com o especialista, os gestores não pensam além do seu mandato. “Vemos governos inflando a folha de pagamento, contando com royalties e participação especial, que são recursos voláteis. Quando vem o declínio dessas receitas, já se criou o vício, e os entes não têm reservas. O correto seria investir esses recursos de maneira a ter rendimentos futuros, como fazem alguns países”.
O economista e professor Alcimar das Chagas Ribeiro ressalta que a aplicação dos royalties e PE para pagamento de despesas de custeio, como salários, nunca foi razoável, mas os municípios encontraram mecanismos para usar esses recursos no pagamento dessas despesas, o que é um grande problema.
— Essas despesas de custeio são contínuas, e a renda de royalties e PE são finitas, existem hoje e amanhã podem não existir mais. Esses recursos deveriam ser aplicados em investimentos, uma preparação do município para o futuro, como saneamento básico, rodovias, unidades escolares, hospitais, por exemplo. A característica de investimento é alocação de recursos em situações de longo prazo, em equipamentos que vão possibilitar benefícios por muito tempo. Então, o destino dos royalties deveria ser investimento e não custeio. Por isso, foi muito acertada a decisão do Tribunal de Contas, e os municípios precisam pagar suas despesas de custeio com as receitas tributárias, ou seja, aquelas oriundas de impostos e taxas que o município arrecada mensalmente — apontou.
Números — A folha de pagamento da Prefeitura de Campos gira em torno de R$ 86 milhões por mês. Somente em 2021, até junho, Campos já arrecadou R$ 178.415.514,03 em royalties excedentes (R$ 150.522.873,67) e participação especial (R$ 27.892.640,36). Em 2020, esses recursos chegaram a R$ 221.917.763,35 — R$ 214.930.494,66 em royalties acima dos 5% e R$ 6.987.268,69 em PE).
Prefeitura leva TAG ao Tribunal de Contas
O TCE-RJ, durante muito tempo, admitiu que os royalties excedentes e PE fossem utilizados no pagamento de pessoal permanente. No entanto, passou a recomendar que o município não continuasse empregando essas compensações, para as quais a lei não impõe limitações, para esse fim.
A recomendação mais recente aponta “que o município atente para a necessidade do uso consciente e responsável dos recursos dos royalties, priorizando a alocação dessas receitas na aplicação de programas e ações voltadas para o desenvolvimento sustentável da economia local, bem como, busque alternativas para atrair novos investimentos de forma a compensar as possíveis perdas de recursos futuros”.
Para continuar aplicando esses recursos no pagamento do funcionalismo público, a Prefeitura de Campos encaminhou ao TCE-RJ, em 17 de junho, uma proposta de TAG.
— Independentemente da votação pela Câmara Municipal, daremos entrada no Termo de Ajustamento de Gestão perante o Tribunal de Contas. Constará no documento que algumas medidas necessárias para possível celebração do acordo ainda carecem de aprovação do Legislativo — afirmou Wladimir.
A Prefeitura afirma que, desde que foi notificado, em 2017, o Município não foi preparado para essa nova realidade de proibição do uso dos royalties para pagamento. “A atual administração foi surpreendida pela determinação do TCE, que também previa medidas de austeridade para que o município pudesse voltar a utilizar as receitas dos royalties para o pagamento de pessoal, por isso, uma proposta de TAG foi elaborada e está sendo encaminhada para o TCE”, ressaltou o procurador-geral do município, Roberto Landes.