Arthur Soffiati - A desertificação do Norte-Noroeste Fluminense
Artigos - Atualizado em 28/07/2021 19:03
Em 1785, o capitão de infantaria e cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis, designado para fazer um mapa do distrito de Campos dos Goytacazes, cujo território correspondia ao Norte-Noroeste Fluminense atual, escreveu em seu relatório: “Uma das circunstâncias da primeira estimação, e que muito concorre para promover e adiantar os interesses deste país, é a beleza dos seus matos, onde se encontram as mais preciosas madeiras. As terras montuosas e as que bordam as margens dos rios mais principais são as mais abundantes de madeiras. As terras que chamamos planas já são menos abundantes de matos, principalmente as da margem meridional do Paraíba, compreendidas pela barra do rio Preto e valetas.”
Couto Reis se refere aos terrenos de tabuleiros como montuosos, pois ainda era uma temeridade galgar a serra do Imbé ou embrenhar-se pelos rios Paraíba do Sul, Muriaé e Pomba, pois se supunha que terras ocupadas por índios ferozes. A observação do capitão sobre a planície confirma a conclusão atual de que a grande umidade não permitia o desenvolvimento de florestas na planície. O mapa do cartógrafo assinala as florestas virgens como sertões. Elas ficavam nas cercanias da planície subindo o vale do Muriaé e do Pomba, assim como em toda a margem esquerda do trecho final do Paraíba, mesmo na restinga. Guarus era a terra das florestas.
Mas ele faz também um registro condenatório. Os habitantes do distrito “deitam abaixo uma admirável e frondosa árvore a fim de se utilizarem meramente ou de quatro frutas ou de uma colmeia.” Segundo ele, era um costume selvagem a “total destruição das melhores madeiras pela presunção de que nunca haverá tempo em que faltem, [pois] que nem em um século se poderão renovar.” Ele já condenava a síndrome da inesgotabilidade que se integrou à cultura do Brasil e que promoverá o colossal desmatamento do Norte-Noroeste Fluminense e da Mata Atlântica, partindo agora para a Amazônia.
Passando por Macaé, Campos e São João da Barra, em 1818, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire escreveu em seu diário de viagem: “Aqui, e provavelmente em todo o Brasil, escolhem-se aqui e acolá as árvores que se quer cortar e o lenhador as abate à sua altura para não ter necessidade de curvar o corpo no trabalho. Quando passei por Macaé as belas árvores já começavam a se tornar raras e frequentemente eram procuradas em florestas muito distantes da embocadura do rio. Assim, enquanto de um lado os brasileiros ateiam fogo a imensas florestas, sem outro proveito que o de um adubo passageiro, de outro lado, quando exploram árvores preciosas, fazem-no de modo a concorrer para a extinção de suas espécies.”
A estranheza de Saint-Hilaire diante da prática predatória indica que ela não existia na Europa, como as mentes atrasadas na sociedade e no governo afirmam. Por esse registro e os de outros viajantes, como Hermann Burmeister no rio Pomba, J.J. von Tschudi no atual território de São Francisco de Itabapoana e Manoel Basílio Furtado nos vales do Itabapoana e do Itapemirim, não eram pessoas de fora que desmatavam, mas os próprios habitantes locais, em sua maioria grandes proprietários.
Por outro lado, na planície, onde havia muita água nas lagoas, a drenagem excessiva acarretou grandes problemas para a agropecuária que a promoveu, como escassez hídrica e salinização. Então, ao ler a reportagem “Sertão fluminense”, no jornal “O Globo”, de 25 de julho de 2021, percebo que falta uma assessoria de história aos governos municipais, estadual e federal, bem como ao moradores, sobretudo a aqueles que exploram o campo. Nas palavras deles (produtores e técnicos), parece que a aridez progressiva do Norte-Noroeste Fluminense é um castigo de Deus ou decorre de fenômenos exclusivamente naturais, quando, na verdade, foram seus antepassados e eles mesmos os responsáveis pelo déficit hídrico progressivo da região.
Os viajantes que mencionei descrevem uma região úmida e fértil, com cheias e estiagens regulares. Se pudessem ressuscitar e empreender novamente suas excursões, certamente diriam que não foi por aqui que passaram. Os próprios defensores da drenagem das terras da planície, como Saturnino de Brito, Engenharia Gallioli e Coppetec, afirmaram que tudo tem limite. A drenagem excessiva provoca aridez. Não é invenção minha. Tudo o que afirmo está em livros. Assim, desconhecendo o processo histórico que nos conduziu a essa aridez quase deserto, os proprietários rurais se associam aos políticos para conseguirem vantagens financeiras e intensificarem a destruição.
Até mesmo quem, dentre eles, propõe reflorestamento, parece estar sugerindo que uma nesga de floresta é novidade por aqui como algo que nuca existiu. A sociedade regional é o último vagão do trem do atraso. Seu imediatismo e individualismo correspondem aos dos fazendeiros do século XIX, que inviabilizavam uma área com o desmatamento para fazer o mesmo mais adiante. A solução para a desertificação não está em Brasília, mas aqui mesmo.

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