Colonização europeia do Norte-Noroeste Fluminense
Houve dois tipos de colonização europeia nessa região. A que ganhou notoriedade foi a dos agricultores-pecuaristas-fabricantes de açúcar. Ela começou com a tentativa de colonização da capitania de São Tomé por Pero de Gois, seu donatário, na primeira metade do século XVI. Sem contar com os recursos necessários da economia de mercado e sofrendo resistência dos povos pioneiros, sua experiência fracassou. Em outras palavras, ele não contou com os instrumentos suficientes da economia de mercado para levar adiante a colonização em moldes europeus. Gil de Gois, seu filho, também fracassou.
A resposta que vingou foi dada a partir de 1632, quando sete fidalgos tomaram posse de terras que receberam gratuitamente da Coroa portuguesa entre a foz dos rios Macaé e Iguaçu. A criação de gado foi o instrumento inicial para a colonização, imediatamente seguida pela cana-de-açúcar. O grande obstáculo a ser enfrentado por esses agropecuaristas e fabricantes foi a imensa planície fluviomarinha, principalmente a parte argilosa dela. Para ampliar a área destinada à lavoura e ao pasto, era necessário drenar as terras, cobertas com muitas lagoas.
É essa luta infatigável contra o meio que Alberto Ribeiro Lamego analisa no seu clássico “O homem e o brejo”. Sem usar a expressão desafio, Lamego mostra a parte fluvial da planície como um grande estímulo, que podia ser forte ou fraco demais para ser colonizada. Em tom épico, o autor procura demonstrar que até mesmo a nação goitacá se diferenciava das outras de seu entorno por responder de forma criativa ao desafio do brejo. Suas habitações eram feitas sobre estacas dentro de lagoas, o que permitia que poucas pessoas vivessem nelas. Esse modo de vida permitiu que eles desenvolvessem famílias nucleares, ou seja, constituída de marido, mulher e filhos. De modo apologista, ele sustenta que o campista descendia do goitacá pelo menos em sua cultura porque o brejo estimula a luta e torna o habitante da planície aluvial, seja ele qual for, um povo operoso.
Esse povo teria construído a civilização campista, rasgando o canal do Furado, drenando os pântanos com o braço negro escravizado ao comando dos jesuítas, adquirindo forte sentido de liberdade e de luta. Mesmo os descendentes de negros escravizados sofreram influência civilizacional da planície e da serra. São os mocorongos. Enfim, seria uma civilização distinta da ocidental. Até mesmo a formação geológica da planície foi descrita por Lamego de forma épica. Nada nos autoriza a conservar essa interpretação de época. Não se trata de abominar nem de esquecer a contribuição de Lamego. Ele tem uma visão aristocrática do mundo não mais sustentável. Por trás de suas explicações científicas, havia o orgulho da grande aristocracia rural que conquistou e colonizou a planície aluvial. Mas ele não deixa de expressar a ciência de sua época em seus trabalhos técnicos.
Pela ótica atual, podemos reconhecer uma certa identidade do habitante da baixada por sua economia, por seu linguajar e pela sua arrogância, como apontou o capitão de infantaria Manoel Martins do Couto Reis. Ele escreveu: “[...] nada mais apetecem que a vida campestre, possuírem bons cavalos para seu divertimento, nutrição para a sua rebeldia e amparo de inobediência como via mais pronta e segura para toda a sorte de libertinagem; nascendo desta má inclinação criarem-se tantos vadios para flagelo dos pacíficos e mais virtuosos; cometendo roubos nos gados, sendo assassinos e deteriorando a boa harmonia da sociedade.”
Ao analisar a restinga em “O homem e a restinga”, Alberto Ribeiro Lamego mostra que esse ambiente não é estimulante. Ele deprecia a natureza da restinga, mostrando que até mesmo sua vegetação é teratológica. A infertilidade do solo não instiga seu habitante ao trabalho. Misturando determinismo e possibilismo, Lamego cria uma explicação mista para tratar da vegetação da restinga, para explicar a preguiça de seu habitante. Ele não é inferior aos outros humanos. Apenas o meio não o provoca. Então, ele trabalha o mínimo para viver. Não cultiva ambições. O homem da restinga é o muxuango, tipo de pele clara e cabelos louros, talvez descendente de náufragos anglo-saxónicos que se fixaram na praia e passaram a viver da coleta, da pesca e da caça. No máximo, a restinga produzia sal. E vai mais longe ainda: só transformando a restinga numa planície aluvial progressivamente é que ela representará um desafio para o desenvolvimento. Em síntese, empreendedores vindos de fora deveriam transformar a restinga num brejo para que seus habitantes fossem estimulados ao empreendedorismo, ao trabalho.
Hoje, sabemos que, junto com os colonos ricos, vieram ou se formaram os colonos pobres. Consta que pescadores de Cabo Frio chegaram a Atafona em 1622, ou seja, dez anos antes dos Sete Capitães. Lá instalaram um arraial para pescar e ficaram. Assim, ao lado dos agropecuaristas, os trabalhadores pobres ocupavam pequenos lotes de terra alodiais tolerados pelos senhores. Na pequena gleba, produziam para si e sua família ao mesmo tempo trabalhando nas terras do senhor. A pesca era uma atividade complementar. Havia aqueles que se transferiam completamente para a pesca, que não exige terras nem trabalhos fatigantes. Esses pescadores dão continuidade a uma atividade tradicionalmente praticada pelos povos pioneiros.
Essas duas atividades caminharam paralelamente. É claro que o agropecuarismo sempre contou com mais apoio das autoridades. Primeiro foram os jesuítas que cuidaram de escoar água excedente para obter terras. Depois, a própria aristocracia regional passou a ter seus pleitos atendidos pelos governos imperial, provincial e municipal. É, por exemplo, o caso da abertura dos canais de navegação. Tomemos o canal da Onça, aberto por iniciativa particular, em 1840, para o escoamento de madeira na lagoa e canal da Onça. Logo em seguida, ele foi bancado pela Câmara Municipal de Campos.
As ferrovias, que substituíram os canais de navegação, foram construídas para escoar cana, açúcar e outros produtos agrícolas. Os grandes engenhos centrais e as usinas foram financiados pelo governo imperial e por capital acumulado. Finalmente, os canais de drenagem foram abertos para favorecer a agropecuária. Os governos central e provincial/estadual foram abertos por comissões por eles criadas. Algumas pela iniciativa particular. A atividade pesqueira nunca contou com esse apoio. Houve, sim, iniciativas para apoiar a pesca industrial.
O pescador não se levantou contra as obras de drenagem durante muito tempo. Embora a agropecuária e a indústria da cana estivessem em rota de colisão na planície, nos tabuleiros e na serra com a pesca artesanal, esta resistiu até o momento em que ambas se chocaram de forma crucial. Isto aconteceu no final da década de 1970 e princípio da década de 1980. Parecia que a baixada seria totalmente transformada, não havendo mais lugar para a pesca. Essa ameaça ainda existe, exigindo que a nova administração das águas alcance um equilíbrio entre as atividades econômicas entre si e o ambiente.
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