Tranque-se na cozinha, tome um caldeirão, encha-o de água e ponha-o ao fogo. Vai demorar algum tempo para esquentar e começar a ferver. Mas quando a água começa a fazer pequenas bolhas, logo em seguida começa a fervura. A água passa do estado líquido para o gasoso. O vapor d’água, sendo mais leve que o ar, sobe para as paredes e para o teto. Ao esfriar, a água evaporada se transforma em gotículas que caem do teto e escorrem da parede, molhando o chão. O sol realiza essa operação, só que de cima para baixo. Seu calor evapora a água em estado sólido e líquido, que sobe para a atmosfera e forma nuvens. A gravidade não permite que o vapor se esvaia no espaço e se perca. O calor do sol chupa a água dos mares, rios e lagos e a transforma em nuvem. Havendo resfriamento da atmosfera por alguma frente fria, a água em estado gasoso se transforma em água e cai na forma de chuva.
O ciclo da água é um fenômeno natural e necessário. Sem ele, a água salgada não se transformaria em água doce. Mas, ampliado, esse fenômeno pode produzir catástrofes. É o que está acontecendo em vários pontos do planeta porque o aquecimento vem aumentando. Não que o sol esteja ficando mais quente. É que o calor emitido por ele entra na atmosfera na forma de raios ultravioletas e retorna para o espaço na forma de raios infravermelhos. Se a camada necessária de gases do efeito-estufa se adensa, como vem acontecendo desde que o ocidente começou a usar combustíveis fósseis para promover o “desenvolvimento” com a Revolução Industrial do século XVIII, o lençol formado por esses gases se transforma em edredom.
O fenômeno de aquecimento progressivo da Terra está sendo causado por atividades humanas: combustíveis fósseis, queimadas, atividades geradoras de gases, pastagens e criação de gado em larga escala, além de muitas outras atividades. O dilúvio que se abateu sobre o oeste da Europa, na Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça e Luxemburgo, demonstra o perigo dessas atividades. Os cientistas são os primeiros a reconhecer que se trata de mudanças climáticas.
Mas é preciso considerar a superfície em que essas chuvas torrenciais se precipitam. Se fosse no meio do oceano, o risco poderia ser grande para navios. Sobre a Amazônia, o Cerrado e o Centro-Sudeste do Brasil, poderia ser uma bênção por ajudar a apagar incêndios e aumentar o volume dos reservatórios. No oeste dos Estados Unidos, o grande volume de água apagaria o fogo, mas poderia substituir uma catástrofe por outra. Enxurradas destruidoras, por exemplo.
A Europa Ocidental é drenada por rios médios e pequenos, se comparados com os da América, da Ásia e da África. A colonização do território é antiga. Os rios foram degradados pelo desmatamento de florestas temperadas. As margens foram erodidas. Os leitos foram assoreados. As águas foram poluídas. A urbanização foi implacável com os rios. Quando as condições ambientais se tornaram problemáticas, os países europeus se lançaram em projetos de revitalização dos rios. Eles se transformaram em rios domesticados: navegáveis, limpos, abrigo de fauna, balneáveis. Mas represados em vários pontos, sem as florestas originais ao menos em faixa necessária nas margens, muitas construções.
O grande volume de chuvas, considerado atípico pelos climatologistas e meteorologistas, correu pelas encostas e desceu para rios Ahr, Vesdre, Meuse, Reno, Mosela, Mehaigne e afluentes, arrastando pessoas, carros, prédios, árvores, equipamentos urbanos etc, deixando um rastro de destruição na área atingida. Também pelo aspecto do desastre, existe uma União Europeia mais coesa que a instituição política. Não foi na Alemanha, na Bélgica, na Holanda, na Suiça, em Luxemburgo que as chuvas caíram. A natureza não reconhece essa construção histórica chamada país ou qualquer outra. É sobre um território ou sobre o mar que elas se precipitam sem saber se matam pessoas e destroem a sua obra ou a natureza. Não há qualquer preocupação ética. A Terra está mais quente e mais seca em toda a sua extensão por ação humana. Nós não desenvolvemos uma atitude ética numa economia de mercado predatória. Todo o planeta está sofrendo com as mudanças climáticas, de origem humana.
Autoridades europeias aceitam plenamente a existência do aquecimento global e proclamam medidas para combatê-lo. Ótimo. Mas é preciso reconhecer que, por mais de dois séculos, a máquina mundial funcionou em nome do “desenvolvimento” de forma triunfal. Agora, reconhece-se que a Terra tem limites e que reage inconscientemente quando seus limites de resiliência são ultrapassados. É preciso desacelerar o carro, mas não é possível afundar o pé no freio. O carro pode capotar. A velocidade tem de ser reduzida aos poucos. Enquanto isso, novas catástrofes assolarão o planeta, como recentemente aconteceu na cidade de Atami, no Japão, e como está acontecendo no mundo todo.