Arthur Soffiati - Cinquenta anos de ambientalismo (I)
Arthur Soffiati - Atualizado em 16/07/2021 14:12
Em 2022, merecerão festejos o bicentenário da independência do Brasil e o centenário da Semana de Arte Moderna. Com menos ênfase, a Conferência Rio-92 será lembrada nos seus 30 anos. A independência do Brasil se insere num movimento maior: a criação de Estados Nacionais fora da Europa. Essa instituição começou a se formar no século XV, com o chamado Estado Moderno, governado por uma monarquia centralizada. Ele é a base para o Estado Nacional, cuja idealização nasce na própria Europa, no século XVII. Os Estados Unidos tornaram-se o primeiro Estado Nacional, em 1776. A Revolução Francesa deflagra um movimento em cadeia que transforma os Estados Modernos europeus em Estados Nacionais. A América foi o primeiro continente fora da Europa a criar Estados Nacionais, instituição muito diferente dos movimentos de resistência e reação dos povos indígenas e dos africanos escravizados na América.
O Movimento Modernista de 1922 está passando por revisão. Até o momento, essa revisão parece revelar o óbvio: 1 - A economia cafeeira e a industrialização de São Paulo representam a infraestrutura de um movimento cultural elitista; 2 - o Rio de Janeiro era muito mais moderno que São Paulo, não precisando de um evento que marcasse a passagem do antigo para o novo; 3 - movimentos de renovação ocorreram em Belo Horizonte, Cataguases e Recife; posteriormente, várias outras cidades promoveram movimentos de renovação. O Modernismo refere-se à atualização cultural do Brasil em relação ao mundo europeu.
Em 1972, realiza-se uma conferência mundial em Estocolmo para discutir uma questão que começava a incomodar a diversas posturas econômicas e políticas: os limites da natureza. Começava-se a se perceber que a Terra, seus biomas e ecossistemas não poderiam fornecer matérias-primas para um crescimento infinito nem seriam capazes de absorver os rejeitos dessa economia, como gases, líquidos e sólidos. O Clube de Roma deu o primeiro sinal, mas a Conferência de Estocolmo representou o marco inicial de um movimento matizado de mudança de rumos no processo de desenvolvimento.
Nenhum dos três eventos nasceu da noite para o dia. A independência do Brasil é o epílogo de um longo processo de colonização. Antes dos europeus, não havia nada parecido com Estado Nacional na América. A colônia do Brasil representou a base geográfica do Brasil independente. Movimentos separatistas eclodiram antes da independência, em Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco. Depois da independência formal da colônia, não se pode falar em independência plena. Atualmente, muito menos, pois a globalização capitalista torna todos os Estados interdependentes sem que isso signifique igualdade entre todos. Há blocos de Estados ricos e há Estados cuja dependência significa subordinação.
O Modernismo no Brasil também não surgiu da noite para o dia. Houve as exposições de Lasar Segall em São Paulo, no ano de 1913, de Anita Malfatti, em 1917, também em São Paulo, de Zina Aita, em Belo Horizonte, no ano de 1920, tanto quanto os livros de Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Ronald de Carvalho, Guilherme de Almeida e outros. Na música, despontava o gênio de Villa-Lobos, que dispensava qualquer evento para ser reconhecido.
Da mesma forma, a percepção de que não era mais possível alimentar o otimismo de um crescimento infinito, cultivado tanto pelos nacionalistas quanto pelos modernistas, ganhou corpo. A crise ambiental global já vinha sendo percebida. Na década de 1960, e antes mesmo, um pensador da estatura de Aldous Huxley pronunciou conferências mostrando o divórcio entre a humanidade e a natureza. Ele morreu em 1963, e essas conferências foram reunidas no livro “A situação humana”, publicado em 1978. Em 1962, a bióloga Rachel Carson lançou o livro “Primavera silenciosa”, expondo os resultados da sua pesquisa sobre o impacto dos agrotóxicos, então largamente usados na agropecuária, sobre as diversas formas de vida. Ela acompanhava o caminhos dos agrotóxicos e mostrava como eles podiam contaminar organismos a quilômetros de distância do local de aplicação.
Outros cientistas também deram sinais de alerta. O Clube de Roma foi formado por empresários preocupados com o futuro dos seus empreendimentos. Eles contrataram cientistas para analisar os impactos da economia sobre o meio ambiente. Em 1972, ano da Conferência de Estocolmo, Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers e William W. Behrens III lançaram o livro “Os limites do crescimento” pelo Clube de Roma. No mesmo ano, a Organização das Nações Unidas promoveu, em Estocolmo, um encontro de cúpula para discutir a questão ambiental, que então começava a ser percebida com mais clareza. Participaram dela cientistas e políticos que percebiam a necessidade de mudança de rumo na economia e aqueles que não viam essa questão como preocupante. As tendências políticas assumiram novo aspecto a partir de então. Havia liberais e progressistas preocupados com os limites da natureza tanto quanto liberais e progressistas que continuavam apostando num crescimento ilimitado, fora e dentro da Conferência.

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