Arthur Soffiati - Mudanças climáticas e pandemia
* Arthur Soffiati - Atualizado em 07/07/2021 16:08
Em 2020, os termômetros registraram 38°C na cidade de Verkhoiansk, na Sibéria, dentro do círculo polar ártico. No inverno de 2019, a temperatura lá chegou a -60°C. Em um ano, a população do local sofreu uma mudança de temperatura de 98º. Pouca gente tomou conhecimento desse extremo de temperatura. Os que viram a rápida notícia nos jornais e nas TVs, já a esqueceram ou nem se interessaram.
Por sua vez, a Austrália sofreu o seu mais destruidor incêndio em 2019. O fogo acabou ao mesmo tempo em que começou a pandemia da Covid-19. Nós esquecemos esse incêndio, mas ainda não a pandemia. O fogo não aconteceu na minha cidade, nem na minha região, nem no meu estado, nem no meu país. Graças a Deus!
Em questão de segundos, uma emissora de TV informou que a temperatura no continente Antártico chegou a 18,3° no dia 6 de fevereiro de 2021. Nesse mês, la também é verão, mas nunca foi registrada temperatura tão alta. Com ela, seria possível andar de short e camiseta por lá. Entre os dias 5 e 13 de fevereiro, as temperaturas oscilaram de 15 a 20°C. Estima-se que, em alguns lugares, os termômetros chegaram a marcar 20,7°. As temperaturas lá nunca passaram de 20º. Imagens de satélite capturaram grande degelo no mais frio continente do mundo. Esperei ansiosamente maiores detalhes pelos jornais, mas nada foi publicado. Graças a Deus não foi no Brasil!
Nos arredores de Curitiba, cientistas e voluntários estão caçando nascentes para atenuar a falta d’água que afeta a cidade há mais de um ano. Havia muitas nascentes nos Campos do Sul, na Mata Atlântica, no Cerrado e na Caatinga. Mas o desmatamento, a agropecuária e a urbanização esgotaram a água que a natureza fornecia gratuitamente. Até aterro de nascente se praticou. Na zona serrana do norte-noroeste fluminense, havia florestas e muitas nascentes. Elas foram drasticamente reduzidas. Na Baixada dod Goytacazes, a água aflorava. Não aflora mais como antigamente. E nós não estamos atrás de nascentes escondidas para revitalizá-las.
No centro-sudeste do Brasil, registra-se a maior estiagem desde que começaram os registros em 1930. Já estamos vivendo uma crise de energia elétrica gerada por represas de rios. Quase todos foram barrados. Os reservatórios estão quase secos. Não há mais florestas suficientes. As cidades cresceram muito. A agropecuária do Cerrado bebe muita água. Não choveu o bastante e, se chovesse, a água não seria suficiente para atender à grande demanda. A questão é estrutural e não apenas conjuntural. O jeito é acionar as termoelétricas, aumentando ainda mais os gases do efeito estufa. Um ministro já veio a público tranquilizar a população. Sinal de que vai acontecer tudo ao contrário. Preocupante. Mas Deus nos ajudará. Não quero tomar banho frio no inverno.
Começamos 2021 com fogo e chuva na Amazônia. Batemos recordes nos dois casos. Nunca choveu tanto e nunca os rios da parte norte da Amazônia encheram tanto desde que as medições começaram a ser feitas, há 119 anos. Por outro lado, os incêndios na floresta foram se superando a cada mês de 2021, como numa corrida: fevereiro supera janeiro; março supera fevereiro; abril supera março; maio supera abril e assim por diante. Não sabemos aonde isso vai parar. Mas, Graças a Deus não é aqui na minha região!
Poucos jornais informaram que o calor bateu recordes no verão do Canadá. Cacei a informação no Google. A província da Colúmbia Britânica registrou 719 mortes repentinas e inesperadas. Não foi por Covid-19. Acredita-se que cerca de 500 delas podem estar relacionadas à onda de calor que varre o país. Pelo que se sabe, é a primeira vez que as temperaturas disparam para cima no Canadá. O país, em grande parte no Círculo Polar Ártico, parece seguir a Sibéria. Mas, graças a Deus não foi aqui! Ninguém da minha família morreu.
Na Califórnia, pouco abaixo do Canadá, os incêndios anuais já se tornaram rotina, assim como os furacões do Caribe. Por fim, cientistas da Universidade do Minho demonstram que um incêndio das proporções de 2017 pode se repetir em Pedrogão, Portugal. Mas, felizmente, não moro lá.
Nenhuma das notícias acima interessa à imprensa e às pessoas. Mesmo a Covid-19 já provocou cansaço. No nosso individualismo, imediatismo e consumismo, o número de mortos passa a ser uma cifra, assim como as estatísticas. Só sentimos dor de verdade quando morre um parente. Tudo se tornou rotineiro: a morte, o calor, o frio, o fogo, a chuva, a seca. Não se trata de uma condenação, longe de mim. Apenas confirmo minhas conclusões sobre os efeitos sociais da economia de mercado globalizada. O individualismo nos leva a ter preocupação só com o indivíduo e com aqueles que lhe são mais próximos. O imediatismo no leva a logo esquecer o que acontece, principalmente se o acontecimento é desagradável. Vamos comer e beber em vez de ficar falando de coisa triste? Esqueci do consumismo.

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