Arthur Soffiati - Zina Aita, uma pintora esquecida
Arthur Soffiati - Atualizado em 28/06/2021 22:44
Zina diante de exposição sua em Belo Horizonte, 1920
Zina diante de exposição sua em Belo Horizonte, 1920
Tereza ou Terezina Aita, conhecida apenas por Zina Aita, nasceu em Belo Horizonte em 1900. De família italiana, ela se transferiu para a Itália em 1914, ano em que eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Antes de partir, Zina promoveu uma mostra de seus primeiros trabalhos. Contava, então, com 14 anos. Da Itália, ela só retornou com o fim da guerra, em 1918.
Nos quatro anos em que esteve no país de seus pais, fixou-se em Florença e estudou com Galileo Chini, conhecido artista que se dedicava a obras com caráter decorativo. Sua marca no estilo da pintora adolescente foi decisiva ao longo de sua carreira. Ao retornar ao Brasil, estabeleceu contato com Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral.
Em 1920, organizou sua primeira exposição individual no Palácio do Conselho Deliberativo, em Belo Horizonte. Foi a “Exposição de Arte Moderna”. O título era sintomático. Significa que não se tratava de uma exposição de belas artes, ou seja, da arte figurativa tradicional que ainda dominava o Brasil, embora a exposição das obras de Anita Malfatti, em 1917, representasse a inovação. Antes dela ainda, Lasar Segall expôs em São Paulo e Campinas, em 1913, mas passou quase despercebido.
Zina Aita contou com a simpatia do artista mineiro Anibal Matos, que escreveu artigos sobre ela na “Folha de Minas”. Com o pseudônimo de Fly, ele publicou na edição de 28/01/1920: “a cidade nova e formosa, começa a ter razões de orgulho dos seus filhos. Já há uma geração moça que poderá, pelo brilho de inteligência, firmar a sua glória ao lado de outras cidades mineiras.” (Retalhos do Modernismo: http://literalmeida.blogspot.com/). Ele se referia a Zina Aita, a quem entrevistou logo depois. A uma das perguntas, ela deu como resposta: “Classificam-me de orientalista, simbolista e até de futurista. Não sou nada disso, procuro apenas ser o que me dita o meu senso estético, seguindo os conselhos do meu mestre.” (Apud. Retalhos do Modernismo: http://literalmeida.blogspot.com/). Ainda em 1920, ela participa da 27ª Exposição Geral de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Os modernistas convidaram a artista a expor seus trabalhos na Semana de Arte Moderna, em 1922. Zina estava morando no Rio de Janeiro e aceitou o convite, expondo “A sombra“, “Estudo de cabeça”, “Paisagem decorativa”, “Máscaras siamesas”, “Aquarium”, “Figura e painel decorativo”, além de “25 Impressões”. Foi expressiva sua contribuição ao evento. Ela estava ao lado de outros artistas, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Martins Ribeiro, Regina Graz e John Graz. Alguns desses nomes se tornaram conhecidos. O de Zina acabou esquecido. Em março do mesmo ano, ainda em São Paulo, ela expõe individualmente obras na livraria “O Livro”. Ao todo, foram 46 pinturas. As vendas e as críticas lhe foram favoráveis. O ano de 1922 foi-lhe bastante profícuo. Ela ainda produziu ilustrações para a revista “Klaxon” e participou da 27ª Exposição Geral de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Em 1923, a artista integrou a exposição coletiva do 1º Salão da Primavera, no Rio de Janeiro, e desenhou as capas das edições 22 (outubro) e 23 (novembro) da revista “América Brasileira: resenha da Actividade Nacional”, editada por Elysio de Carvalho, no Rio de Janeiro. Ainda em 1923, ela retornou para a Itália e se fixou em Nápoles. Só voltou ao Brasil em 1953, viajando para Teresópolis. Sua derradeira presença foi na exposição coletiva “Arte contemporânea: exposição do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo”, em 1954. Zina morreu em 1967, na cidade de Nápoles.
Depois de sua partida definitiva para a Itália, ela ainda se correspondeu com seus amigos do Brasil por pouco tempo. Para Mário de Andrade, enviou um cartão postal com o seguinte teor: “Nápoles, 30 mar. 1924./ (...) Chegamos bem depois de uma viagem deliciosa! (...) Estamos morando num lugar esplêndido (recorda S. Teresa) e tencionamos ficar definitivamente. Dou o endereço: via Antonina Ravaschieri – 3º Palazzo Lemme – Vomero – Napoli. Tenho esperança em não ser esquecida. Os planos e mil projetos, com a querida Anitinha já estão combinados!!!” (MORAES, Marcos Antonio de. Tudo Está tão Bom, tão Gostoso... Postais a Mário de Andrade. São Paulo: Edusp, 1993). Ela esperava não cair no esquecimento, mas caiu. Ela também parece ter esquecido o Brasil.
Numa carta para Anita Malfatti de 1924, Mário de Andrade escreve: “S. Paulo 25 de Agosto. É engraçado! A pintura brasileira hoje está dependendo das mulheres e nas mãos delas! Tu, Tarsila e Zina sempre caminhando, enquanto os homens decaem. (...). Um grande abraço do sempre Mário” [ANDRADE, Mário de. Cartas a Anita Malfatti (1921-1939). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989].
Por algum tempo, o intelectual paulistano considerará Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Zina Aita como as pintoras que melhor representavam o Modernismo. Em suas cartas, Mário nem sempre é sincero, apesar de seu rigor em analisar trabalhos de escritores e artistas. Mas, às vezes, expressava opinião diferente em cartas para outros correspondentes. Até sua saída do Departamento de Cultura, em 1938, ele assume tom professoral em suas cartas. Seu desejo era que todos os seus correspondentes se orientassem no sentido de construir uma cultura erudita brasileira.
Em outra carta, ele acusa o recebimento de um presente de Zina: “S. Paulo 30-XI-925 (...) Ontem tive uma alegria. Recebi carta da Zina com um esboço a óleo de grade frescura. Como ela é gentil no colorido, não? Você não me tinha mandado contar que ela estivera em Paris... Feia! (...). (Não reli nem corrigi. Tou cansado). Abraços. Mário” [ANDRADE, Mário de. Cartas a Anita Malfatti (1921-1939). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989].
Mas, aos poucos ou talvez com alguma rapidez, Mário de Andrade a esquecerá. Seu estilo pouca influência terá sobre a pintura brasileira. No final da vida, é certo que Mário reconhecia Candido Portinari, Lasar Segal e Clóvis Graciano como pintores de primeira grandeza [BAPTISTA, Ana Paola (curadora). Mário de Andrade e seus dois pintores: Lasar Segall e Candido Portinari. Rio de Janeiro: Museus Castro Maya, 2015. Sobre Clóvis Graciano, ver MOTTA, Flávio L. A família Artística Paulista. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros nº 10. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1971]. O primeiro momento modernista, os anos rebeldes tinham ficado para trás.
Marta Rossetti Batista escreveu: “Tanto Sérgio Milliet quanto Mário de Andrade destacaram sua [de Anita] qualidade de colorista. O primeiro a vê como moderna na cor, mas realista no desenho. Realmente, nas aquarelas de 1923 e no desenho da Coleção Mário de Andrade, Zina Aita preservou e valeu-se da perspectiva e do espaço tradicionalmente construídos — impressão reforçada pelo pouco que se pode ver na fotografia da individual de 1922. Sérgio Milliet, ao falar de 'um certo realismo', refere-se a 'telas rebuscadas de interpretação' — talvez, as resolvidas em técnica impressionista ou pontilhista, à espátula. Mário de Andrade separa estas obras das outras, a pincel, de ‘tendência moderna nenhuma’.” [BATISTA, M. R. 1922: Zina Aita em São Paulo : fragmentos de memória modernista. Jeanne Milde/90 Anos/zina Aita (S.l: s.n.), 1990].
Zina Aita participará de várias exposições individuais e coletivas na Europa. Contudo, não se tornou uma artista conhecida e reconhecida. Talvez as cartas e bilhetes que Mário lhe enviou tenham se perdido. A correspondência dela a Mário está conservada na íntegra no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Talvez, ela lance luz sobre o afastamento de ambos e o de Aita do Brasil.

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