A cultura material testemunha os passos do desenvolvimento anatômico-sociocultural de cada espécie hominídea ou de outras, enfim, de sua cultura imaterial. Dependendo da matéria empregada em sua produção, tais manifestações tangíveis podem desaparecer pela ação de vários fatores ou resistir ao tempo, chegando até nosso conhecimento. O conjunto inseparável das culturas imaterial e material constitui o patrimônio cultural de cada sociedade. De acordo com a importância que lhes conferirmos, certas manifestações intangíveis e certos bens materiais podem ser protegidos. Criaram-se, assim, as figuras do arquivo, da biblioteca, do museu e do tombamento para a proteção dos bens materiais móveis e imóveis. Dispor bens móveis em museus e tombar bens imóveis sempre constitui um ato de escolha e de seleção, já que não se pode encerrar todos os bens materiais móveis produzidos por uma cultura dentro de um prédio. Da mesma forma, não se pode proteger todo o acervo material imóvel pelo tombamento, embora este instrumento também possa ser aplicado aos bens móveis.
Já no que concerne à cultura imaterial, a proteção se revela problemática. O historiador inglês Arnold Toynbee dizia que uma sociedade começa falando o sânscrito e termina falando o prácrito. Em outras palavras, as antropossociedades se transformam, e com elas a sua cultura. Claro que os ritmos de transformação variam. As antropossociedades arcaicas, em isolamento, costumam apresentar um ritmo de tal maneira lento que chegaram a ser chamadas de sociedades sem história ou sociedades frias. Normalmente, a transformação, nelas, é imperceptível por cada geração. Mudanças mais rápidas podem ocorrer quando se lhes colocam desafios internos ou externos a serem respondidos.
Conforme a magnitude deles, a antropossociedade pode sucumbir. Mas pode, também, responder positivamente ao desafio e situar-se em outro patamar. Assim, a cultura imaterial se modifica, e, com ela, a cultura material. A diferença é que se pode colher amostras de cultura material de certo momento da história de uma antropossociedade e museificá-las ou tombá-las. Quanto à cultura imaterial, só é possível fazer o registro dela em vários momentos da sua trajetória.
Nenhuma antropossociedade, que se saiba, alcançou a velocidade de transformação da chamada civilização ocidental, sobretudo a partir do século XV, quando se inicia mais incisivamente o seu processo de mundialização. Sob mudança constante, a cultura imaterial está sempre deixando de ser o que é, esvaziando-se por dentro, perdendo a significação para o conjunto social e adquirindo caráter de “sobrevivências” ou de “antiguidades populares”, que o arqueólogo inglês William John Thoms elegeu, em 1846, como objeto de estudo do Folclore.
Sempre em movimento, numa fórmula heraclitiana, a civilização ocidental impôs este ritmo também às outras culturas do planeta. É natural, pois, a preocupação — inexistente nas antropossociedades tradicionais — de preservar manifestações materiais dos distintos momentos da história de cada antropossociedade tanto quanto de manifestações imateriais. As primeiras se desgastam lentamente, se forem adequadamente protegidas. As manifestações imateriais, por outro lado, são lábeis, e nem sempre o significado conferido por quem as pratica coincide com o significado atribuído por quem as quer proteger. A preocupação com sua proteção mostra-se mais acentuada por quem as estuda do que por quem as vive.
Uma das propostas para preservá-las é o seu congelamento, o que equivaleria ao seu tombamento, assim como se tomba uma cidade, uma edificação ou um bem material móvel. As manifestações imateriais, contudo, são impalpáveis e brotam de pessoas inseridas em contextos sociais sempre sujeitos a mudanças. Ante esta realidade, a segunda tendência consiste em incentivar a proteção de tais manifestações com recursos financeiros públicos ou privados, na tentativa de motivar seus praticantes a manter vivo o seu espírito. Entretanto, por mais que eles se esforcem, a dinâmica social global acaba por lhes impor mudanças inconscientes de visão de mundo.
Por fim, a terceira tendência é representada por aqueles que, derrotados pelos ritmos históricos do ocidente ou impostos pelo ocidente a outras culturas, contentam-se em promover o registro do bem imaterial para conferir-lhe a condição de importante.
Pela perspectiva adotada aqui, a preservação de um bem cultural deve incluir o contexto em que se insere para que tenha significação. Para ilustrar, o tombamento de uma fábrica de farinha de mandioca, por exemplo, deve incluir as casas dos trabalhadores, as bolandeiras e as ferramentas de produção. Deve incluir também, agora na condição de registro, as técnicas de fabricação e as manifestações intangíveis. Formula-se, assim, o conceito de sítio. Embora a concepção de preservação do patrimônio cultural tenha avançado bastante a partir da década de 1930, os tombamentos continuam beneficiando bens imóveis isolados. Quando muito, seu entorno, com edificações que valorizam o bem original. Com a aplicação do conceito de sítio, não apenas o bem principal é preservado, mas todos os bens que se relacionam a ele.