Arthur Soffiati - Fumante inveterado
Arthur Soffiati - Atualizado em 17/06/2021 17:59
Qual a sua idade? Setenta anos. E fuma desde quando? Quinze anos. Quer dizer que o senhor fuma há 55 sem a mínima preocupação com sua saúde? Há muitos anos, a propaganda antifumo conseguiu romper o cerco da indústria de cigarro e alertou os fumantes quanto aos riscos do tabagismo. Muitas pessoas morrerem com câncer, enfisema, enfarte, acidente vascular etc. Depois de alimentar seu vício durante 55 anos, o senhor chega ao hospital e nos pede para cuidar de um corpo do qual o senhor não cuidou. Particularmente, eu lhe digo francamente que detesto as pessoas irresponsáveis cuja irresponsabilidade começa com elas próprias. Nós, médicos, não somos babás de velhos infantilizados.
Há 600 anos, a civilização ocidental e ocidentalizada é viciada em destruir a natureza. Esta é a mais longa guerra da história. A economia de mercado fumou a natureza como se ela fosse inesgotável. Nunca se pensou que esse consumo causaria problema para o fumante. Inconsciência do ocidente, quero crer. Quando apareceram os primeiros sintomas de doenças, os líderes mundiais se reuniram na Conferência de Estocolmo, em 1972. Poucos, muito poucos, decidiram reduzir o fumo. Menos ainda resolveram parar de fumar. A maioria estampou seu vício com orgulho. A representação do Brasil declarou com arrogância que continuaria a fumar, até aumentando o vício, porque ele promovia desenvolvimento e saúde social. Essa história de doença era coisa de cientista.
Vinte anos se passaram desde então. Nesse período, governantes e empresários continuaram fumando a natureza desbragadamente. As vozes em defesa da natureza se multiplicaram. Não ficava bem destruir e jactar-se disso. Governos e empresários adotaram, então, um discurso falso: passaram a publicar propagandas caras nos jornais, a pronunciar discursos em favor do ambiente. Tornaram-se verdes por fora e pretos por dentro. Mas era abismal a distância entre o discurso e a prática. Enquanto pronunciavam belas palavras, aprofundavam a exploração da natureza. Se fumavam um maço de cigarro por dia, passaram a fumar dois.
A ONU convocou a grande segunda reunião de estadistas no Rio de Janeiro em 1992. Ela ficou conhecida como Rio-92. O compromisso assumido foi: não vamos parar de fumar, mas vamos fumar menos. Deram a essa promessa o nome de desenvolvimento sustentável. Mas não cumpriram a promessa e continuaram fumando muito. Passaram a acender um cigarro no outro.
E agora, o fumo está acabando. Está tudo poluído pelo cigarro. A atmosfera está saturada de fumaça. A que se acumula em distantes altitudes deixa os raios de sol passarem. Eles incidem sobre a Terra e geram calor. Quando o calor se desprende para a atmosfera, encontra a grossa camada de fumaça dos grandes cigarros feitos com petróleo e árvores. Em níveis mais baixos, a fumaça liberada por veículos causa poluição do ar e sufoca as pessoas, provocando inclusive doenças mortais. Adoecem e morrem quem fuma e quem não fuma.
Nas águas dos rios, os fumantes jogam guimbas dos cigarros fumados e geram poluição. A fauna aquática engole as pontas de cigarros e morrem. As guimbas acabam no mar porque todo rio chega nele. Nas águas marinhas, as guimbas também afetam a fauna. O chão está cheio de guimbas. Os fumantes inveterados podem ter deixado o cigarro tradicional, mas não abandonaram o vício de fumar a natureza. Grande parte da população mundial está exigindo novos padrões de consumo. Não quer mais destruição de florestas para obtenção de madeira e de lenha. Não quer mais a abertura de campos agricultáveis e de pastos nas matas. Insiste na redução dos veículos que fumam combustível fóssil. Quer a certificação dos alimentos. Alguns até não comem mais carne de qualquer origem. Não usam roupas e qualquer outro produto que tenha algum item de procedência animal.
No entanto, os fabricantes de cigarros modernos insistem em vendê-los com muita propaganda. Anunciam as vantagens de veículos fumadores. Mentem quanto à origem de seus produtos. Continuam fumando florestas e jogando guimbas na água. Mas garantem que tudo é sustentável. Por um lado, até entendo que um viciado não consegue cortar repentinamente o seu vício. Mas estamos diante de um impasse. Abandonar o vício de fumar a natureza de forma lenta ou repentina, mas abandonar de verdade, adotando práticas sadias de vida. Os fumantes incomodam os que os rodeiam e comprometem o futuro do planeta.
A outra saída para esses fumantes, que têm muitos nomes, é continuar fumando cigarros com ou sem filtro. Então, teremos um futuro cheio de fumaça e de guimba. Tanto os fumantes quanto os não fumantes adoecerão e morrerão. Faltará fumo para os fumantes inveterados e eles não poderão mais continuar com o vício. O fumo é só uma fábula. Ele se chama economia de mercado. Os fumantes são os que a alimentam de maneira exponencial. A terra é o local do qual os fumantes tiram o fumo e onde lançam fumaça e guimbas.

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