Matheus Berriel e Ícaro Barbosa
25/05/2021 23:52 - Atualizado em 25/05/2021 23:53
Morreu na última segunda-feira (24), aos 65 anos, o artista plástico campista João de Oliveira. Ele estava internado na UTI do Hospital Dr. Beda II, onde fazia hemodiálise, e acabou não resistindo aos problemas renais. Durante a longa carreira, iniciada no final da década de 1960, João levou sua arte a várias regiões brasileiras e ao exterior, expondo em países como França, Alemanha, Inglaterra, Itália e Estados Unidos. Ele deixa a esposa, Cláudia Oliveira, e um filho, Uno de Oliveira, integrante da equipe de design gráfico da TV Globo. O velório aconteceu no Palácio da Cultura, disponibilizado pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), e teve sua parte final realizada no cemitério Campo da Paz, na manhã dessa terça (25), quando o pintor foi sepultado.
— É um momento bem difícil — afirmou o filho de João: — Eu estava em Campos, ainda consegui passar um tempo final com ele para conversar as últimas coisas. Ainda deu tempo de a gente brincar, falei que o Fluminense (seu clube de coração) perdeu para o Flamengo. Ele, ainda lúcido, conseguiu entender e brincar comigo, muito espirituoso até o último momento. É uma perda muito difícil, estou me equilibrando. Mas, é isso, acho que a vida é feita de momentos. Chegou o momento dele. O legado que ele deixou, tudo o que ele criou faz muito sentido. Um sentido muito relevante para a cultura da cidade e do Brasil. Me inspiro muito nele até hoje, sempre foi o meu foco. Que seja um momento de alegria, como ele sempre foi.
Arquiteto formado pela Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, João de Oliveira se tornou artista plástico e programador visual de grande reconhecimento em Campos. Sua primeira exposição foi realizada em 1968, e desde então fez inúmeras outras, com destaque especialmente para a temática indígena. Foi graças a ela que o artista ficou conhecido como “João do Índio”. Sua mostra “Índios” passou por Brasília e se internacionalizou após ganhar notoriedade no Copacabana Palace, no Rio. Em 1985, ela seria novamente montada na Marsham Gallery, em Londres.
— De fato, o João de Oliveira foi um pintor que marcou a cultura de Campos. Se destacou pelo tema escolhido, buscando retratar o nativo, o índio goitacá principalmente. Ele fez pesquisas para chegar, mais ou menos, a uma ideia de como teria sido esse índio — comentou o historiador e ambientalista Aristides Arthur Soffiati: — O que ele criou em termos de pintura dos índios, as pessoas podem até dizer que é uma pintura figurativa e decorativa, embora eu ache que não seja. Acho que o que ele mostra, e que é o mais importante, é o índio na sua dignidade. Foi isso que escrevi para uma apresentação que ele fez na Fundação Cultural, na década de 1980. João retrata o índio com uma dignidade que não existe mais. Ele buscou o índio nas suas origens.
A relação de João de Oliveira com o Palácio da Cultura começou em 1980, quando foi convidado para fazer sua primeira exposição individual em Campos, sobre a essência indígena, depois de ter participado de eventos artísticos no Rio. O sucesso proporcionou a realização de outras mostras com a mesma temática em 1980, 1981, 1983, 1984 e 1987. Três quadros do artista, datados de 1981 e 1990, foram colocados pela FCJOL no Palácio da Cultura durante o velório na segunda-feira.
Em 1994, João fez na Caixa Econômica Federal a exposição “Espelhos”, com várias imagens de Campos refletidas sobre o rio Paraíba do Sul. Esta mostra foi considerada a primeira no município com recursos de computador aliados a efeitos de Air-Brush. Em 1996, o pintor foi convidado a expor no Free Jazz do Museu de Arte Moderna do Rio. Apaixonado pela música, desenvolveu 28 quadros sobre o tema. Na mesma década, participou do projeto “Cores da Cidade”, pintando a parte externa do edifício Pioneiro.
João de Oliveira foi também um dos artistas com mais exposições no Teatro Municipal Trianon. Entre várias mostras dentro do projeto “Olhares da Arte no Foyer”, a partir de 2013, ele montou “Girândolas e Esculturas”, sucesso de público em novembro de 2015.
Em dezembro de 2018, várias fases da carreira do artista foram apresentadas em “O Mundo Mágico de João de Oliveira”, com 12 dos seus melhores quadros expostos no Museu Histórico de Campos. Dois anos antes, seu “Mundo Mágico” já havia passado pelo salão nobre do Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Bastante engajado com a cultura de modo geral, João fortaleceu em 2018 o movimento “Valorize o artista da terra”. “É importante valorizar a arte de Campos, incentivar os artistas em todos os sentidos. Não só das artes plásticas, como no teatro, na leitura. Eu estou nesse movimento para que haja um reconhecimento maior dos artistas da terra”, declarou à Folha da Manhã na ocasião. Em fevereiro de 2020, ele chegou a abrir ao público seu próprio espaço, a Petit Galerie, exibindo uma retrospectiva da sua obra.
Na trajetória internacional, entre outras idas à Europa, duas foram para exposições no Salão de Artes Contemporâneas do Museu do Louvre, em Paris, com participação no evento Carrosel du Louvre. Em 2014, ele levou para a capital francesa as telas “Água” e “Ar”, feitas sobre tecido de juta, retratando o imaginário infantil e os elementos da natureza. Uma delas foi premiada com o Troféu Salon Professional d’Art Contemporain. Já em 2017, expôs obras de técnica tridimensional, com a qual trabalhava havia cerca de um ano. Um dos seus trabalhos neste estilo fica na sede da Folha.
— Ele era um artista da nossa cidade de grande talento, que cresceu não só em nossos limites, chegando a Rio de Janeiro, São Paulo e até Paris — comentou a diretora-presidente do Grupo Folha, Diva Abreu Barbosa. — A Folha recebeu, generosamente, um quadro de terceira dimensão feito por ele, que engrandece o nosso hall de entrada. Sentimos muito a sua partida. Mas, com certeza, ele está fazendo alguma festa com os índios, com os nossos antepassados, lá no céu.
Também foi para Paris a sua exposição “Criancices”, na Galerie Arts & Events. Em 2013, em outra investida fora das fronteiras brasileiras, exibiu dois quadros no Salão de Maio de Arte Contemporânea, no Museu das Américas, em Miami.
Despedidas — Em nota, a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Auxiliadora Freitas, lembrou da trajetória do artista plástico, que nasceu no distrito de Tocos: “João foi um gênio da nossa arte, sempre nos surpreendendo com tudo aquilo que produzia. (...) Nossa missão é continuar divulgando e valorizando sua arte, para que as futuras gerações sigam admirando”, disse ela.
A diretora do Museu Histórico de Campos, Graziela Escocard, lembrou das mostras de João de Oliveira na unidade. “Perdemos um grande artista plástico campista, que sempre imprimiu nossas raízes em suas obras. Toda exposição do João no Museu Histórico era um desafio, por ele sempre se inovar. Que boas lembranças possuo das nossas montagens de exposição. João se foi cheio de projetos”, comentou.
Planos do artista também foram lembrados pela diretora do Arquivo Público Municipal, Rafaela Machado: “É uma perda muito sentida. João estava cheio de planos, cheio de projetos. Nos reunimos há dois meses para falar sobre a ideia dele de uma grande obra sobre os (índios) goitacá. Que o talento dele seja sempre lembrado”, declarou.
O também artista plástico Adriano Ferraioli falou sobre o talento do amigo: “João de Oliveira, em sua passagem, apenas reafirma seu nome como um dos maiores expoentes e representantes da cultura campista. (...) Ficam o respeito, a admiração e meus profundos sentimentos para a família do nosso querido artista”
A partida de João também foi comentada pelo jornalista Fernando Leite. “Não tem duas semanas, nos falamos pela rede, e você me encantou com a proposta de fazermos um trabalho em dupla. E agora, o que eu faço com aquela alegria que você acendeu em mim? A morte é, irremediavelmente, estúpida, inoportuna”, lamentou em rede social.
Outro amigo de João de Oliveira, o jornalista Antônio Filho recordou o convívio com o artista plástico nos bastidores: “Tive a honra de conviver com João, acompanhando algumas das suas exposições no foyer do Teatro Municipal Trianon, nas quais pude presenciar a dedicação com a qual ele cuidava das suas obras, preocupado em oferecer os melhores campos de visão aos visitantes. Seus índios, maravilhosamente retratados, jamais serão esquecidos”.
Boêmio e apaixonado pelo Carnaval como João de Oliveira, o amigo Jorge Luiz Azevedo abordou a parceria que deu origem ao bloco Galo Imperial. “Vivemos intensamente nossos momentos de alegria juntos. Por ser vizinho, João estava sempre lá em casa, ou eu na dele, preparando paneladas de galinha ao molho pardo para nossas famílias, confraternizando e dando risadas nos finais de semana”.
O empresário Daniel de Souza também pôde desfrutar da amizade do artista: “Compartilhamos várias alegrias. Vai fazer muita falta, pois sempre almoçávamos juntos aos domingos”, contou.
Presente no sepultamento, o ex-vereador Abu citou o legado deixado por João: “Fui pego de surpresa com a notícia da sua morte. Não sabia que ele estava doente e acabei ficando muito triste, relembrando o amigo que era João, a pessoa bacana e também muito importante. Tive a oportunidade, enquanto exercia meu mandato de vereador, de fazer uma homenagem ao João na Câmara que o deixou muito feliz. Só temos coisas boas para lembrar dele e do herói que foi, com sua arte, para a cidade de Campos”, disse.
Fotógrafo da Folha, Genilson Pessanha chorou ao registrar o sepultamento do velho parceiro de confraternizações: “Ele lutou bem e até o fim. João se mostrou um cara muito forte e dinâmico ao longo da vida, dentro das limitações que a própria idade e a diabetes colocavam sobre ele”.