Trata-se de uma temeridade intervir numa paisagem natural ou modificada, mas que ainda conserva atrativos, sem conhecimento prévio. Não é preciso um conhecimento absoluto, pois este nunca será alcançado, mas um conhecimento baseado em estudos científicos consistentes que estão em vigência no momento da intervenção.
Avanço mais. Sustento que os governantes não conhecem o país, o estado e o município que governam. Campos não foge à regra. Há alguns anos, participei de um grupo de trabalho que pretendia promover o zoneamento ecológico-ecônomico da zona costeira de Campos. Certo dia, visitamos as praias de Campos numa jardineira. Ao chegarmos à ponte Maria Rosa, o motorista, por ordem do agente da Prefeitura que estava à bordo, ordenou que ele parasse, pois a ponte sobre o antigo rio Iguaçu, hoje lagoa do Açu, era a divisa entre Campos e São João da Barra. Por mais que eu explicasse que essa divida situa-se na Barra do Açu, não foi possível demover a autoridade. Voltamos.
Algumas propostas de intervenção para o morro do Itaoca, para a lagoa do Açu, para o canal Campos-Macaé, para o prédio do Liceu etc, chocavam pela falta de conhecimento e pelo voluntarismo. O que acontece é que pessoas que vivem em suas tocas durante quatro anos, saem delas em tempo de eleição e candidatam-se a um cargo executivo ou legislativo. Se vencem, ficam em evidência até saírem de cena e voltarem para sua toca novamente. Alguns nem precisam se eleger. São convidados a ocupar cargos de confiança e, neles, procuram colocar em prática as suas perigosas fantasias.
Foquemos a atenção em outra vítima dessas alucinações dos gestores públicos: a lagoa do Lagamar. Ela foi protegida por lei em 1992, juntamente com a lagoa de Cima. Embora transformada em Área de Proteção Ambiental (APA), a Prefeitura não levantou um dedo sequer para elaborar um plano de manejo para ela. Poucas pessoas sabem que a atual lagoa do Lagamar, no Farol de São Thomé, trata-se de uma área de expansão do rio Iguaçu, que corria entre a planície aluvial e o estreito e alto cordão arenoso do Farol; cordão esse que liga as restingas de Paraíba do Sul e de Jurubatiba. Esse rio nasce na lagoa Feia e desembocava no mar pela barra da atual lagoa do Açu.
Na altura do Lagamar, o rio Iguaçu recebia o rio Bragança, que também se originava na lagoa Feia. O encontro dos dois rios formava um grande alagado, que se comunicava com o mar em tempos de cheias extraordinárias. Esse alagado recebeu o nome de Lagamar, a rigor uma parte do rio que se comunica com o mar. Essa ligação, no passado, recebia o nome de Barra Velha. Hoje, existe uma cachaça com esse nome e as pessoas não sabem o que significa.
Depois de se alargar no Lagamar, o rio Iguaçu continuava seu curso até alargar-se novamente no grande banhado da Boa Vista. Depois, estreitava-se novamente até chegar ao mar. A abertura da Barra do Furado foi a primeira estocada que o rio Iguaçu sofreu. A abertura do canal da Flecha foi outra. Mas o que matou o rio Iguaçu foi a abertura do canal do Quitingute, que aproveitou o leito dele entre Barra do Furado e Lagamar e inverteu seu curso até o canal de São Bento.
Mas cabia proteger o Lagamar como testemunho da rede hídrica da baixada no passado. Em vez disso, o prefeito Arnaldo Vianna resolveu, em mais um delírio, transformá-lo num balneário. O cordão arenoso foi rebaixado. Espécies arbóreas estranhas foram plantadas. Postes altos e de alta iluminação foram erguidos. A luz emitida por eles atrai tartaruguinhas que deviam se dirigir ao mar. Em vez disso, passaram a se dirigir ao asfalto, onde morriam esmagadas por rodas de automóveis.
Mas não foi só isso. Quiosques foram construídos para atrair as pessoas. Criou-se uma praia aparentemente sadia, escondendo-se toda a poluição do Farol de São Tomé lançada num segmento do rio Iguaçu e que contamina a lagoa. Areia trazida de outras praias foi utilizada para compactar o piso, e, no meio disso tudo, foi criado um palco para apresentação de músicos barulhentos.
Tudo o que é incompatível com uma APA foi praticado no Lagamar. Tudo o que devia ser feito em termos de plano de manejo para proteger uma Unidade de Uso Sustentável foi deixado de lado. Como o conceito de sustentabilidade perdeu seu sentido original, hoje tudo passou a ser sustentável. A redução da faixa de proteção da lagoa de Cima e a construção de hotéis em sua orla serão sustentáveis. O adensamento urbano em torno da lagoa do Vigário é sustentável. O parque recreativo no Lagamar é sustentável porque hoje sustentabilidade se transformou numa palavra mágica. Destrua, mas de forma sustentável. Mate, mas de forma sustentável.