Arthur Soffiati - Lagoa de Cima
Arthur Soffiati - Atualizado em 13/05/2021 19:33
No programa “Folha no Ar” da segunda-feira desta semana (dia 10), na Folha FM 98,3, o vereador Anderson de Matos transformou a lagoa de Cima numa verdadeira galinha dos ovos de ouro. Ela vai salvar o município de Campos e quiçá toda a região Norte-Noroeste Fluminense desde que sua faixa de proteção seja reduzida de 300 para 50 metros. Delire como ele, leitor. Imagine um calçadão na orla da lagoa com restaurantes, hotéis e outros atrativos. Será a redenção de Campos, onde muitas famílias padecem por falta de renda e comida. A lagoa fará tudo aquilo que os prefeitos não fizeram quando Campos nadava nos royalties do petróleo. São estas as propostas do vereador.
Ele é uma daquelas pessoas que saem da toca a cada quatro anos, elegem-se ou ocupam um cargo de confiança, valendo-se da sua condição para estragar mais ainda o que já está estragado. Depois, voltam para a toca. Convenhamos, a lagoa de Cima não fica na Região dos Lagos nem em Guarapari. Na Região dos Lagos, não é só a praia de Cabo Frio que atrai turistas. Existem também Búzios e Arraial do Cabo. Em Guarapari, não é só esta cidade que aufere recursos com o turismo. Há também Meaípe, Nova Guarapari, Três Praias e outras. A lagoa de Cima é bonita. É linda. Porém, sozinha, não fará verão.
Uma lagoa de Cima com calçadão, restaurantes e hotéis não passa de um delírio do vereador. Mas chega de invocar a lei estadual 1.130, de 12/10/87, que define uma faixa de 300 metros para proteger lagoas, e a recomendação do Inea para que esta lei seja revogada por outra que institua faixas de 100, 50 e 30 metros. O vereador pleiteia a de 50 para a lagoa de Cima. A lei pode ser revogada à vontade por uma outra que até elimine faixas de proteção. Voltemos ao ano de 1991, quando o vereador devia ainda ser criança ou talvez nem tivesse nascido. Garotinho ainda usava fraldas como prefeito. Nesse ano, ele encaminhou para a Câmara de Vereadores o polêmico Plano Diretor, que foi aprovado pela lei nº 5.251, de 27 de dezembro. Em seu artigo 47, ele definia: “No prazo de 15 (quinze) meses a contar da data de promulgação desta Lei, o Executivo instituirá as seguintes Unidades de Conservação da Natureza e disporá sobre sua gestão: I – Área de Proteção Ambiental – APA – do Vale do Imbé e da Lagoa de Cima; II – Área de Proteção Ambiental – APA – do Lagamar, na zona costeira; III – Área de Proteção Ambiental do Morro do Coco; IV – Parque do Taquaruçu, compreendendo a lagoa do mesmo nome e seu entorno, inclusive as áreas de preservação permanente da Mata do Bom Jesus e da Mata de Angra; V – Parque do Itaoca.”
O plano teve 28 páginas surrupiadas. Não gosto de me promover, mas o artigo 47 nasceu de proposta minha. No ano seguinte, o Poder Executivo Municipal criou a Área de Proteção Ambiental da Lagoa de Cima pela lei nº 5.394, de 24 de dezembro de 1992, assim como a APA do Lagamar, que discuto em breve. Mais uma vez, revelo que formulei a minuta das duas leis, e elas foram aceitas. A lei que criou a APA da lagoa de Cima, estabelece: “As providências arroladas neste artigo serão detalhadas no Plano Diretor da APA de Lagoa de Cima, a ser elaborada no prazo máximo de 06 (seis) meses, a partir da entrada em vigor da presente Lei.” No artigo 5º da mesma Lei, fica estabelecido que “O Plano Diretor estabelecerá normas para a área urbana situada no entorno da APA da Lagoa de Cima, bem como fixará a classe das águas dos ecossistemas situados em seu interior.” Ficou faltando apenas a elaboração dos planos diretores de ambas, o que me levou a recorrer em vão ao Ministério Público Estadual.
Em 2000, o Governo Federal instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação pela lei 9.985. Sobre APA, ela define no Art. 15: “A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”.
A Prefeitura de Campos, (sempre) sob pressão, convidou pesquisadores da Uenf para formular o plano diretor ou de manejo. Eles fizeram um ótimo trabalho, mas o plano não foi implementado. A Prefeitura continua nos devendo este plano. A questão não é mais federal nem estadual. É municipal. O Plano Diretor Participativo de 2008 incorporou o dispositivo sobre a lagoa de Cima constante do malfado Plano Diretor de 1991. Em vez de matar a galinha dos ovos de ouro, o vereador deveria estar cobrando esse plano da Prefeitura. Aliás, os vereadores e o prefeito devem se esforçar para pagar essa dívida deixada por Garotinho. Aproveitemos agora, que o sub-secretário de meio ambiente conta com larga experiência, para a implementação do plano e do Conselho Gestor. Minha sugestão é que as APAs da lagoa de Cima e do Morro do Itaoca sejam integradas numa só, como o Parque da Costa do Sol. Sugiro também que o Plano Diretor de 2008, revisado em 2019, seja republicado na forma em que os grupos de trabalho o formularam. Para reduzir a faixa de proteção da lagoa de Cima, o vereador Anderson de Matos deve se esforçar em convencer seus colegas a revogarem o que dispõe o Plano Diretor de 2008, pois não basta apenas a revogação da lei estadual 1.130.

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