Cinema - Rebelião dos Bichos
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 26/04/2021 16:34
Em região semidesértica dos Estados Unidos, uma fazenda habitada por quatro pessoas não vai bem economicamente. Ela fica nos arredores de um vilarejo. Nos filmes estadunidenses, tudo acontece nos lugares distantes das grandes cidades. A casa grande é habitada por um casal e sua filha. Na casa ao lado, vive um homem mudo e com debilidade mental. A esposa e mãe não está psicologicamente bem. É notório o seu descontentamento com a vida reclusa naquele fim de mundo.
Mas a vida se agrava depois de um ruído ensurdecedor que quebra cristais e porcelanas. Acredita-se que ele foi provocado por um avião voando baixo. A partir de então, coisas estranhas passam a acontecer. Pássaros atacam as pessoas em bando e caem mortas. Um cão doméstico ataca sua dona. Uma dócil vaca leiteira mata seu dono. As galinhas atacam a mulher que cuidava delas.
Em síntese, trata-se de parte do roteiro do filme “The beast with a million eyes” (“O monstro de um milhão de olhos”), dirigido por David Kramarsky e produzido por Roger Corman. Com lançamento mundial em 1955, o filme foi parcialmente dirigido por Corman. Pode-se dizer que foi a estreia como diretor do homem que fez de tudo no cinema: foi ator, dublê, produtor, diretor e lançou muitos artistas famosos. Corman ainda vive e foi consagrado como o mestre do filme B, do filme de baixo orçamento. “O monstro...” custou, no máximo, U$ 33 mil. O péssimo roteiro foi escrito por Tom Filer. As pessoas entram e saem. Seus diálogos são muito artificias. As emoções não correspondem aos acontecimentos. Mas tudo isso faz parte do filme B.
Logo no início do filme, uma voz esclarece que ela pertence a um representante de outro planeta e que que escolheu invadir a Terra porque seu mundo está se extinguindo. Nada de novo no cinema. Muitos mundos mais estão agonizando, e o planeta escolhido para abrigar os agonizantes é sempre a Terra. Em “O monstro...”, o cartaz engana. Ele leva o espectador a esperar um monstro horrível e cruel. Mas, o monstro se resume a uma pequena geringonça escondida no deserto que emite sons e luzes atordoantes. O milhão de olhos são os olhos dos animais que se rebelam contra a humanidade. Ele usa esses olhos para ser onipresente. Cenas de estúdio e superposição de imagens completam os truques primários para levar adiante um filme de baixíssimo orçamento.
No final, o monstro é vencido não pela inteligência humana, mas por um sentimento desconhecido por ele: o amor. Fica a suspeita de que o inimigo pode ser o comunismo. Essa suspeita deriva da trilha sonora, a cargo de John Bickford. Ele não compõe, mas vale-se de composições de Shostakovich, compositor russo que pretendeu representar o comunismo na música, e de Stravinsky, também russo, mas católico. Deve ser apenas impressão de quem escreve estas linhas. Em geral, o público não presta atenção em trilha sonora.
Ficou uma dúvida: será que esse filme deu a Hitchcock a ideia de filmar “Os pássaros”?

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