Marcelo Lessa: O vírus do emburrecimento
- Atualizado em 07/04/2021 17:50
Para além dos sintomas da Covid-19 já descritos pela ciência médica, o novo coronavírus tem provocado um outro sintoma igualmente perturbador e de difícil tratamento, que em breve será descrito pelas ciências sociais e terá seu lugar nos livros de História: o emburrecimento.
Muitas pessoas, algumas inclusive do nosso ciclo de relacionamento, que supúnhamos razoavelmente esclarecidas, estão emburrecendo, se idiotizando graças a um fanatismo que está consumindo suas reservas intelectuais. Obnubilados por esse fanatismo, muitos de nossos amigos estão insultando a própria razão, embarcando na aventura do achismo, repetindo mantras e frases prontas no afã de transformá-las em verdades axiológicas, tomando posições com arrogância em temas que não dominam, se deixando servir de bonecos de ventríloquo para difundir, com o resto do prestígio de que ainda gozam, ideias bizarras de lideranças toscas que negam a ciência, não assumem seus erros e mentem descaradamente, justamente por contar com um séquito de lunáticos que oferecem ao sacrifício a própria biografia.
Tempos difíceis esses, em que um mero palpiteiro se sente capacitado a discutir com um cientista, catapultado pelo espaço “democrático” das redes sociais, que colocam suas publicações em pé de igualdade perante os mais desatentos. Com isto, um post acaba confrontando uma publicação científica, com um potencial de desinformação avassalador graças à repercussão que alcança, muito maior do que a produzida nos espaços acadêmicos.
Dou exemplos de posts assim: “está ‘absolutamente’ comprovado que o lockdown não adianta nada para combater a Covid”, ou “não ajuda a combater a Covid” (ainda usam o “absolutamente” como critério de autoridade). Os novos profetas não têm pudor em afirmar isto, mesmo contrariando notas técnicas das entidades médicas e dos mais respeitados institutos de pesquisa do Brasil e do mundo, como a Fiocruz e o Instituto Butantã, que recomendam as medidas restritivas e de isolamento. Isso é chocante!
E eles não param por aí. Ridicularizam as máscaras. Chamam-nas de “cabrestos”. Colocam em dúvida a campanha de vacinação, indagando “de que adianta?” se, “mesmo vacinados”, “ainda teremos que usar máscaras” e “manter o distanciamento”. Ignoram, propositadamente, as explicações técnicas sobre o percentual de vacinados que permitirá atingir a tão sonhada imunidade de rebanho e fazer o vírus deixar de circular. E fingem acreditar que o Brasil está vacinando bem a sua população, quando comparam os números absolutos de vacinados no Brasil com os de países com população menor (ao invés de compararem os números relativos), para dizerem que o Brasil vacinou mais. O erro metodológico é muito primário para se poder acreditar que tal engano é fruto de ignorância.
Nunca a Ciência foi tão covardemente insultada! E justamente a Ciência que, em tempo recorde, nos ofereceu a vacina. Mas, por que eu estou falando em Ciência quando me refiro a essas pessoas? Afinal de contas, eles a negam...

ÚLTIMAS NOTÍCIAS