Um dos grandes espaços artístico-culturais do país na época em que foi construído, o Cine Teatro Trianon, de Campos, chega em maio ao seu 100º aniversário de fundação — ainda que tenha sido demolido em 1975 e reconstruído apenas em 1998, como Teatro Municipal Trianon e em endereço diferente. Para marcar o centenário, os historiadores Juliana Carneiro e Victor Andrade de Melo publicaram o livro “Nos tempos do Trianon: Campos se diverte”, que será lançado virtualmente nesta quinta-feira (18), às 16h, em uma live no canal de YouTube da Numa Editora.
Bisneta do capitão da Guarda Nacional e empresário Francisco de Paula Carneiro, primeiro dono do Cine Teatro Trianon, Juliana Carneiro decidiu reativar um projeto de doutorado engavetado havia 20 anos. Para tal, ela se juntou a Victor Andrade de Melo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para fazer um recorte do espaço de 1921 a 1931, período em que o Capitão Carneirinho, como seu bisavô era conhecido, esteve à frente do mesmo. Não sem antes passear pela realidade campista no final do século XIX, período marcado por considerável modernização.
— O primeiro capítulo do livro traz todo o cenário de divertimento de Campos, se colocando como uma cidade em processo de modernização. Campos vivia essa questão de ser claramente sustentada economicamente por uma atividade rural: era a cana quem garantia a riqueza e os empregos da cidade. Mas, vivia também um processo de urbanização. Então, a gente faz um levantamento dos principais teatros, de atividades esportivas e dos equipamentos de lazer de Campos, trabalhando também com a lógica do Carnaval, dos clubes, das sociedades dançantes e musicais na virada do século XIX para o XX, até chegar em 1931, que é quando o Carneirinho vende o Trianon — conta Juliana.
Da fundação do cine teatro por Francisco Carneiro de Paula até a sua venda, foram 10 anos com uma programação diversificada, que o proprietário da casa registrou em uma folheteria por ele mesmo organizada.
— Tínhamos em mãos um acervo inédito deixado pelo Capitão Carneirinho: um diário que ele escreveu, aos 60 anos de idade, em 1926, e um caderno de registros-folheteria com a programação artística do Trianon enquanto ele foi proprietário. O desafio era fazer um livro que não se restringisse ao público acadêmico e que inovasse na abordagem de uma biografia clássica, uma vez que já existem vários registros interessantes produzidos por memorialistas e pesquisadores da cidade — ressalta Juliana Carneiro: — Buscamos, então, fazer um livro que não fosse somente sobre um teatro, mas, sim, sobre três personagens que, a nosso ver, devem ser compreendidos de forma articulada: Campos, Carneirinho e o Trianon.
Nos três capítulos da obra, foram utilizadas três fontes de pesquisa: jornais e revistas publicados em Campos e no Rio de Janeiro no último quarto do século XIX e nas três primeiras décadas do século XXI, o caderno temático deixado pelo Coronel Carneirinho e a folheteria do cine teatros, estando os dois últimos sob guarda da família.
— O que organizou nossa cabeça na hora de fazer a redação foi perceber que os três personagens tinham que ser trabalhados de forma articulada. Não se tratava só de um livro sobre o Trianon, mas um livro sobre uma cidade, um personagem e um teatro. Não dá para entender o teatro sem entender o personagem e a cidade na qual ele vivia e para qual tentou deixar uma grande contribuição — reforça Victor Andrade de Melo. — A gente também utilizou grande números de imagens, contando para isso com o acervo da família e muitos colaboradores de Campos, gente que possuía acervo da cidade. Isso foi fundamental para que a gente tivesse um livro melhor ilustrado, mais bonito, que conseguisse exemplificar melhor o que a gente escreveu — pontua. Entre os colaboradores do projeto, estão os fotógrafos e pesquisadores Leonardo Vasconcellos e Genilson Paes Soares.
Morto em 1944, Francisco de Paula Carneiro empresta seu nome, desde 1948, ao boulevard do Centro de Campos, o popular Calçadão, onde atualmente uma agência bancária ocupa o lugar em que funcionou até 1975 o Cine Teatro Trianon. Segundo o pesquisador Hélvio Cordeiro, membro do Instituto Historiar, o prédio impressionava pelas suas dimensões, contando com 156 frisas, 554 cadeiras na plateia, 290 balcões, 38 camarotes e 610 gerais para comportar 1.800 espectadores. A coxia tinha 25 camarins, dois deles luxuosos, para artistas de maior renome.
Na década de 1920 e nos primeiros anos da de 1930, passaram pelo cine teatro personalidades como a cantora e atriz mexicana Esperanza Iris, responsável pelo espetáculo de estreia da casa junto à sua companhia, em 25 de maio de 1921. Destaque também para apresentações da companhia italiana de Elvira Benevente; da Trupe Centenário, dirigida pelo artista baiano De Chocolat, que viria a fundar em 1926 a Companhia Negra de Revistas; da Companhia de Teatro Maria Castro, bem como da Companhia Cremilda-Chaby Pinheiro. O dramaturgo Leopoldo Frées e o popular grupo musical Bando de Tangarás, ainda sem o célebre Noel Rosa, foram outras atrações que estiveram em cartaz no período, bem como filmes que também ocuparam as telonas dos principais cinemas brasileiros, entre eles os da capital Rio de Janeiro.
— O Trianon se manteve com uma programação qualificada ao longo daqueles 10 anos. Ele passou a fazer parte de um circuito que envolvia os grandes centros artísticos. Vinham muitas companhias internacionais: de Paris, muita gente de Portugal... Passavam por Rio de Janeiro, São Paulo, Montevidéu, Buenos Aires e chegavam a Campos, pela importância que Campos tinha naquele momento. Então, vale ressaltar que o Trianon colocou Campos no circuito artístico-cultural brasileiro, não era uma coisa só regional — relata Juliana Carneiro.
A publicação do livro “Nos tempos do Trianon: Campos se diverte” conta com recursos da Lei Aldir Blanc, via governos estadual e federal. Num primeiro momento, a obra será divulgada no formato e-book, disponibilizado para download gratuito no site do projeto, cujo lançamento está marcado para as 16h desta quarta (17). Tanto a apresentação do site quanto a do livro fazem parte de um webnário, que inclui também uma palestra e outras quatro conversas temáticas entre pesquisadores.