*Felipe Fernandes
- Atualizado em 09/03/2021 14:15
“JUSTIÇA BRUTAL” — Herdeiro direto do cinema noir, “Justiça brutal” é um filme que parte de uma premissa bem comum para contar uma história que ganha peso e complexidade em seus detalhes e na abordagem realista adotada pelo seu diretor.
Na trama, dois policiais veteranos são suspensos após serem filmados cometendo atos de brutalidade policial. Cansado do tipo de vida que leva, passando por dificuldades financeiras e se sentindo desvalorizado após anos de serviço, o policial Bret Ridgeman (Mel Gibson) monta um plano para roubar o dinheiro de uma gangue, no estilo ladrão que rouba ladrão, levando seu parceiro e amigo de longa data Anthony Lurasetti (Vince Vaughn) a ingressar no seu esquema.
O diretor e roteirista S.Craig Zahler cria um universo habitado por personagens que, mesmo quando bem intencionados, transitam facilmente entre o certo e o errado. O diretor também é muito bem-sucedido em quebrar nossa expectativa, criando cenários e situações que indicam um resultado e que surpreendem trazendo novas camadas para os personagens.
Ele consegue misturar várias histórias e, com poucas cenas, fazer com que nos importemos com vários personagens, resultado de um roteiro equilibrado, onde cada cena tem sua função narrativa e com diálogos precisos — mesmo os que aparentam ser bem banais, contribuem para o desenvolvimento dos personagens, de suas relações e de toda a história.
Os diálogos, aliás, são uma marca forte do diretor, que consegue agregar um humor ácido e certeiro, discutindo questões raciais e sociais com naturalidade, sem soar como uma crítica de fato. Num primeiro momento, alguns desses diálogos soam bem incômodos. Mas, conforme o andamento da narrativa, tudo se encaixa, ficando clara a posição do diretor e de sua obra.
Esses diálogos fazem parte de um cenário cru, que beira a realidade, e toda a proposta funciona, pois Zahler trabalha personagens multifacetados que, assim como na realidade, formam um quadro complexo e até mesmo contraditório, outra característica que reforça essa sensação de realidade.
Também chama a atenção a forma como Zahler trabalha o tempo em suas cenas. O filme tem um ritmo mais cadenciado, pouco usual em obras do gênero, mas o diretor trabalha as cenas com um espaçamento de tempo que torna tudo mais pesado. Nas cenas de ação, você sente mais os efeitos dos tiros, as consequências das ações, o planejamento e o improviso. São cenas muito tensas, que prendem o espectador.
Merece destaque o elenco, em especial a dupla de protagonistas. Mel Gibson e Vince Vaughn têm uma química invejável, e a atuação de ambos é a alma do filme. Os dois conseguem transparecer a intimidade, confiança e o peso de anos de parceria, e, juntos aos detalhes do texto, constroem dois personagens muito interessantes.
“Justiça brutal” é, sem exagero, um dos melhores filmes policiais que eu assisti. Certeiro em todos os sentidos, o filme tem uma longa duração que passa muito rápido. Trata-se de uma trama cheia de quebras de expectativas, diálogos antológicos e muita violência. Em seu terceiro longa, Zahler se mostra um diretor autoral de mão cheia e, desde já, se prova um dos mais interessantes dos últimos anos.