Arthur Soffiati: Da foz do Muriaé à foz do Paraíba do Sul (II)
Arthur Soffiati 04/03/2021 16:45 - Atualizado em 04/03/2021 17:50
Se os projetos de grandes obras hidráulicas no baixo Paraíba do Sul, no século XIX, buscavam a navegabilidade, no século XX, eles visavam a drenagem. O canal do Nogueira foi abandonado por ser inadequado para ser incluído na rede de drenagem. Os canais da Onça e de Cacimbas, na origem canais de navegação, transformaram-se em canais de drenagem.
A atenção das comissões de saneamento criadas a partir do último quartel do século XIX voltava-se para atender à indústria sucroalcooleira, que passou por uma profunda modernização: grandes usinas e engenhos centrais substituíram os pequenos engenhos movidos a energia muscular e a vapor. A produtividade industrial aumentou exponencialmente, mas o setor agrícola não conseguia acompanhar a indústria. O motivo eram as terras encharcadas. Havia muita terra, porém embaixo de brejos e lagoas. Na margem direita do Paraíba do Sul, os solos de massapé eram excelentes, desde que enxutos. A margem esquerda, por sua vez, é constituída por solos de tabuleiros (argilosos) e de restingas (arenosos). Daí a margem direita ter sido escolhida primeiramente para a drenagem. Na linguagem da engenharia, as obras atacaram a margem direita. Mas houve projetos para a margem esquerda.
O engenheiro campista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito foi contratado pelo governo do estado do Rio de Janeiro, na década de 1920, para formular um macroprojeto de drenagem do trecho final do Paraíba do Sul. Suas atenções se concentraram na margem direita. Sobre a margem esquerda, ele deixou alguns apontamentos que não pôde aprofundar antes de morrer. Sua proposta foi a abertura de um grande canal paralelo ao rio Paraíba do Sul, entre Campos e sua foz, para auxiliar o escoamento das águas do mesmo nas enchentes. Saturnino de Brito menciona que tal solução já havia sido cogitada pelo engenheiro José Antonio Martins Romeu (BRITO, Francisco Saturnino Rodrigues de. “Defesa contra inundações Obras Completas de Saturnino de Brito”, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944).
Hildebrando de Araujo Góes esclarece que Martins Romeu chefiou a Comissão do Porto de São João da Barra e Baixada do Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, criada em 21 de setembro de 1912 e extinta a 31 de dezembro do mesmo ano, realizando muito pouco da agenda prevista (GÓES, Hildebrando de Araujo. “Saneamento da Baixada Fluminense”. Rio de Janeiro: s/e, 1934). Saturnino de Brito retomou a proposta de Martins Romeu após concluir que “Na margem esquerda [do rio Paraíba do Sul] as condições das inundações são algo diferentes: — geralmente as águas saem do rio, aumentam lagoas e banhados, inundam terras, — mas, quando a cheia baixa no rio principal, as águas de inundação a ele voltam, quer normalmente, quer descendo paralelamente para entrar no rio a jusante. Portanto, na defesa contra as inundações nessa margem, convém estudar, como recurso auxiliar, a canalização das águas para descarga a jusante, quer no Paraíba, quer diretamente no mar, em Gargaú. Esta obra — para dar resultado eficiente, como solução do problema — custaria caríssimo, pois seria necessário cavar um rio desde a barra do Muriaé até o oceano. Poder-se-á, porém, abrir um canal de drenagem, de utilidade incontestável e no futuro voltar a examinar a sua transformação em canal de navegação marítima e fluvial, de acordo com a indicação do engenheiro Martins Romeu”. Ele deixa implícito que o rio Muriaé não mais desembocaria no Paraíba do Sul para dar origem a um canal paralelo ao grande rio e desembocar no mar.
Camilo de Menezes voltou a discutir a proposta em 1940. No seu entendimento, a melhor solução para os transbordamentos do rio Paraíba do Sul pela margem esquerda seria a construção de um canal com início na cidade de Campos, atravessando as lagoas de Taquaruçu e outras, acompanhando de perto o traçado do antigo canal do Nogueira até a lagoa de Brejo Grande. Daí, ele seria prolongado até a lagoa do Campelo e aproveitaria as depressões entre os cordões de restinga para chegar ao Atlântico pela barra do rio Guaxindiba. Menezes propôs como alternativa o nascedouro deste canal à montante de Campos, colocando a cidade a salvo das enchentes.
Nessa opção, haveria um obstáculo a ser transposto: o divisor de águas por onde passa o leito da ferrovia Leopoldina, com cota alta. Mesmo assim, o canal seria viável, segundo seu parecer, se começasse na foz do valão dos Jacarés, aproveitando a lagoa do Cantagalo. Depois de transpor o divisor, ele se dirigiria à lagoa Brejo Grande e seguiria o percurso descrito para a primeira alternativa. Além de proteger Campos das enchentes, esse canal, quer nascendo acima da cidade, quer pouco abaixo dela, proporcionaria a vantagem adicional de ser aproveitado como via navegável da principal unidade urbana da região até o oceano, resolvendo de vez o problema do porto marítimo na foz do rio Paraíba do Sul (MENEZES, Camilo de. “Descrição hidrográfica da Baixada dos Goitacases”. Datilografado, 1940).
Autor de famoso plano de urbanismo para Campos, em 1944, o Escritório de Engenharia Coimbra Bueno insistiu na abertura do Grande Canal, que teria origem na margem esquerda do rio Paraíba do Sul, entre a desembocadura do rio Muriaé e o estrangulamento do Fundão. Daí, rumaria para a lagoa das Pedras, cruzaria a rodovia BR 101 e a ferrovia, desembocando na lagoa do Brejo Grande.
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