Novamente, as chuvas elevam o nível da sub-bacia do rio Muriaé, que não considero mais o último afluente do Paraíba do Sul. Entre a foz do Muriaé e a foz do Paraíba do Sul em Gargaú, vários projetos foram concebidos em quase dois séculos, seja para permitir a navegação pelo interior, seja para reduzir o impacto das enchentes. Primeiro os canais de navegação.
O mais antigo deles foi concebido em 1829, com a projeção de um traçado começando em Guarus, em frente à cidade de Campos, e alcançando a lagoa do Campelo. Ele aproveitaria várias lagoas, então existentes, até a do Campelo. As obras começaram em 1833, sob comando do brigadeiro Antonio Elisiário de Miranda Brito. Batizado de Canal do Nogueira, ele pretendia interligar o rio Paraíba do Sul à lagoa do Campelo, passando pelas lagoas Maria do Pilar, Taquaruçu, da Olaria, do Fogo e Brejo Grande, além de permitir a comunicação com outras lagoas por meio de ramais, já que as águas do Campelo se misturavam com as das lagoas da Saudade, Formosa, dos Coxos e Tigibibaia. Os trabalhos prosseguiram até 1845 e foram abandonados por seu alto custo. Todo o seu leito seria revestido de pedra, com eclusas que permitissem às embarcações passar de um nível para outro, pois a margem esquerda do Paraíba do Sul é ligeiramente mais alta que seu nível médio. Em 1940, Camilo de Menezes tomou várias fotos dele depois de descartar sua viabilidade para drenagem. Atualmente, quase ninguém o conhece. Suas ruínas mereceriam tombamento pelo município de Campos, caso ainda existam.
Em 1840, José Silvestre Rebello propôs a ligação do rio Paraíba do Sul ao rio Guaxindiba no âmbito do projeto do Canal Imperial, que ligaria Porto Alegre a Belém do Pará, aproveitando canais de navegação já existentes. Na “Memória sobre canais e sua utilidade”, publicada em “O Auxiliador da Indústria Nacional” (ano VIII. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1840), ele escreveu: “Sempre me animo a descrever um canal imperial, que comunique a cidade de Porto Alegre no Rio Grande com a cidade de Belém na Província do Pará. Em Porto Alegre, na lagoa que banha o lado ocidental da cidade, deságua o rio Gravataí, e como tem pouca corrente, servirá de canal até aonde deixa de ser navegável”.
A comunicação entre as duas cidades era feita pelo mar a baixos custos, dispensando a construção de um dispendioso e megalomaníaco canal. Essa obra imensa se valeria do que existia de natural e já construído. No norte da Província do Rio de Janeiro, canais já existentes seriam incorporados ao canal imperial: “da margem do norte do Paraíba continuará o canal pelas valas começadas, que passam pelo Brejo Grande, pela Lagoa do Campelo, e que vão até a das Cacimbas. Desta deve seguir ao rio Guaxindiba, e deste ao de Itabapoana; logo seguirá a Itapemirim, a Guarapari e à cidade de Vitória e ao rio Doce, sempre pouco distante das praias”.
Em 1852, 85 moradores de Guarus encaminharam requerimento à Comissão dos Negócios Internos, reivindicando a abertura de um canal que ligasse a lagoa da Saudade ao rio Paraíba do Sul, passando pelos sertões do Nogueira e de Imburi, proposta que Henrique Luiz de Bellegarde Niemeyer já havia apresentado em 1837 com o nome de canal do Campelo, articulado ao canal do Nogueira (Relatório da 4ª Seção de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro apresentado à respectiva diretoria em agosto de 1837). Logo a seguir, a Câmara Municipal de Campos reforçou o pedido junto ao presidente da província. Estabeleceu-se, então, uma discordância entre Ernesto Augusto Cesar Eduardo de Miranda, chefe do 5º Distrito, favorável à abertura da vala, e Amélio Pralon, engenheiro da Câmara Municipal de Campos, defendendo a continuação do canal do Nogueira. Prevaleceu a opinião de Pralon, e o Nogueira foi retomado entre 1853 e 1871, ficando inconcluso. Uma planta dele foi encomendada pelo Visconde do Rio Bonito, vice-presidente da Província do Rio de Janeiro, a Antonio Justiniano Rodrigues (Planta geral do canal do Nogueira. Rio de Janeiro: 1857). Na folha correspondente à Província do Rio de Janeiro no Atlas do Império do Brasil, de Candido Mendes, o canal do Nogueira cruza a lagoa do Campelo, conecta o canal de Cacimbas e alcança o rio Guaxindiba. O autor devia se referir a algum projeto, assim como registra um canal de contorno no rio Itabapoana.
Na década de 1830, aproveitou-se o Brejo de Cacimbas, todo ele em área de restinga, para abrir o canal de Cacimbas, ligando o rio Paraíba do Sul à lagoa de Macabu, na zona de tabuleiros. Para navegar todo seu percurso, eram necessárias eclusas. Enquanto existiu, o canal foi administrado pela iniciativa privada. Sua finalidade principal era escoar as riquezas do sertão de São João da Barra. A principal riqueza era de lenha e madeira retiradas da pujante Mata Atlântica estacional semidecidual. A derrubada da floresta permitia, ao mesmo tempo, a abertura de áreas para a agropecuária. Dessa extensa mata, restou o fragmento hoje protegido pela Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba. Ainda na década de 1930-40, o canal era navegável por canoas a remo e a vela. Ele foi incorporado à rede de drenagem construída pelo Departamento de Obras e Saneamento (DNOS).
No rio Muriaé, executou-se também o canal da Onça, mas ele não se situa na área que pretendemos estudar.