Agrippino Grieco assim descreveu Max de Vasconcellos:
“No número do O Jornal consagrado a Campos, Jaime de Barros estampou um belo estudo sobre Azevedo Cruz.
Eu, se comparecesse com artigo, seria fatalmente a propósito de Max de Vasconcellos. Porque este poeta é uma das obsessões da minha memória. Nenhuma outra silhueta de adolescente se me fixou de tal maneira nas recordações dos tempos de boêmio.
Apesar de filho de família rica, viveu sem nada pedir aos pais, achando que as moedas com a efígie da República só deveriam preocupar os numismatas. Alto, com um ar alongado de quem está sempre na ponta dos pés para tirar qualquer coisa de cima de um armário, possuía especialmente uns olhos que a gente não esquecia mais, olhos de príncipe ou de cigano húngaro, que o orgulho e a febre da tuberculose faziam flamejar à mínima frase desagradável que lhe dissessem.
Viajou pela Europa ignoramos como, com que dinheiro, transportado não sabemos em que tapete mágico de dervixe.
O caso é que esteve longos meses em Gênova, habitando num palácio de mármore, em companhia de anarquistas que, em vez de atirar bombas, atiravam poemetos de amor às costureiras, dinamitando apenas corações femininos.
Voltou das praias mediterrâneas com um chapelão formidável.
Por sinal que ele me sublocou essa cobertura”.
“Cabeludíssimo, Max de Vasconcellos, sempre que passava pela porta dos cabeleireiros, era acompanhado com um olhar sedutor pelos homens da tesoura e dos cosméticos, olhar que, ante a relutância de Max em penetrar-lhes no estabelecimento, logo se enchia de lampejos de cólera homicida.
O nosso poeta foi ao extremo de servir de modelo ao pintor Bordon, empenhado na confecção de anúncios alegóricos de um líquido que se destinava a pôr um viçoso gramado nas carecas mais rebeldes.”
“Finalmente mistificador, comprazia-se ele em engordar os animais soneteantes do país, propondo-se traduzir para o italiano, língua que conhecia como um florentino do Ponte-Vecchio, as peças rimadas de tais senhores.”
“Ah! Ainda hoje, ao transitar pelos arredores do Arsenal de Marinha e ao ver um alfarrabista que ali vende os seus livros velhos em plena calçada, recordo o trimestre em que eu e o Max residimos num sobradinho desse bairro, sem jamais procurar o senhorio, para um escrupuloso encontro de contas.”
“O pior é que, além de fintar o dono do imóvel, citando Proudhon e reclamando em berros a divisão urgente de todas as propriedades, também atrapalhávamos o sono dos vizinhos com as nossas discussões quanto à superioridade de Pascoli sobre Carducci ou de Carducci sobre Pascoli, poetas que, de resto, nenhum de nós dois lera na íntegra.”
“Um dos inquilinos, indignado, chegou a vestir-se de oficial da guarda-nacional, envergando a mesma farda com que acompanhava o busto de Benjamim Constant nas procissões cívicas de 15 de novembro, e veio dizer-nos coisas ásperas, de espada em punho. Max, sem nenhum medo, respondeu-lhe num discurso em puro toscano, digno das sessões da Crusca, mas um dos nossos companheiros, o acadêmico Gesteira, tremia a um canto como num súbito acesso de impaludismo.”
“Lia bastante e não saía do nosso quarto desarrumado sem trazer um velho volume de Petrarca na algibeira. Belo volume em edição seiscentista, que nunca teve coragem de vender, mesmo quando a fome lhe roía as estranhas.”
“Mas, lendo muito, não sobrepôs jamais os livros à vida. Detestando as almas medíocres, poucos como ele corriam para os seres superiores.
Vivo, inventivo, era um encanto escutá-lo nas boas horas.
Dolorosa agonia a sua, num hospital tristíssimo! Quanto não lhe custou adormecer na morte!”
13 de Maio
13 de maio! Há perto de trinta anos
Uma raça gritou ao sol que te dourava:
- Acabou-se afinal o tempo dos tiranos,
Já não há raça pelo mundo escrava,
Com a carta de alforria!
E entanto ainda durava e dura a tirania...
O homem negro deixou de ser a propriedade
Do branco fazendeiro,
Mas continua entanto o cativeiro
Do rico sobre o pobre...
E há grandes prantos pela humanidade!
O que nada produz tudo consome;
E morre no hospital nas prisões ou de fome,
O produtor de tudo...
E a lei serve de escudo,
Com sabres e canhões, a toda esta injustiça!
A lei é, pois, o mal; lute-se contra a lei!
E assim com se fez contra o feitor e o rei,
Faça-se contra toda a autoridade!
Em busca de justiça,
Alcemos a bandeira da equidade,
Que é a bandeira flamante da Anarquia,
...grande promessa a memória!
Primeiro de Maio
Dia grande e cruel à memoria operária,
Hinos brancos de Paz, hinos rubros de Guerra,
A Bandeira do Amor que se fez incendiária...
Data fatal que em si ao mesmo tempo encerra
A promessa do bem ao coração do Pária
E juramentos de Ódio aos senhores da Terra!
Olhar perdido além, num horizonte vago,
Num sonho em que se vê o Mundo Comunista,
Ou se lembram talvez os mortos de Chicago!
Grande marco miliário, à suprema conquista
Do País ideal onde se esplaina o Lago
Verde-azul da Concórdia a consolar a vista.
Calendimaio! O sol que te ilumina seja
O último a iluminar as grades da Prisão,
Os muros do Quartel e as fachadas da Igreja;
E amanhã, ao brotar do grande Astro o Clarão,
Que aos seus raios triunfais o Homem por fim se veja
Sobre a Terra, a cantar, liberto do patrão!...
HORÓSCOPO
Para o Lima Barreto
Ai de quem ao nascer trouxe na palma
Da mão esquerda a linha da Poesia
Cujo o sulco fatal reflete na alma
A tarja negra da Melancolia!...
Nunca surgira esse infeliz – da alma
Do insensível Não – Ser – à luz do dia,
Que a Dor sobre seu berço logo espalma
Amplas asas de Treva e de Agonia.
E ai de mim! Esta linha que registra
Fadárias como as de Camões e Dante,
Sinistramente, em minha mão sinistra
Vejo-a tecendo a triste lenda que há de
Meu nome sem laureia guardar, constante,
Como um exemplo de Infelicidade!...
Sino
Sino, boca do Além falando à vida...
Voz do Passado orando no presente,
Ai compassivo da alma dolorida...
Murmúrio em bronze de quem já foi crente...
O humano coração que hoje duvida,
Ama-te o badalar, ao Sol nascente;
Nas catedrais na cúpula da ermida,
Dobrando pela luz, à hora poente!...
Amo-te em toda a parte onde teu vulto
A meus olhos de cético aparece...
Porque me lembras que já tive um culto;
E porque um dia, de teu bojo forte,
Se há de erguer para o azul a única prece
Que a vida rezará por minha morte!
Max de Vasconcellos “faleceu em 10 de abril de 1919, no hospital São Sebastião, na Ponta Caju, com 26 anos de idade, solteiro, advogado. O atestado de óbito dá como causa mortis a tuberculose que pode ter sido agravada com a “doença da guerra”, a gripe espanhola”. Tendo o sepultamento ocorrido no cemitério de São Francisco Xavier.
Morreu vitimado pela insidiosa enfermidade que inspirou o seu soneto célebre, a previsão de seu triste fim”.
Agonias...
Cai o Sol no delíquio do Poente,
Em plena floração brota o Luar,
Das ruínas da Igreja secular
Bimbalha o bronze doloridamente.
Há queixumes de Goivos pelo Ar,
Ânsias de Além, ânsias de ser doente,
Neuroses de sentir a dor pungente
Dos que ficaram tísicos de amar.
Dos que viveram pálidos tossindo
- Monjas brancas e poetas simbolistas –
Curtindo o mesmo mal que eu vou curtindo,
Dos que morreram desejando ver
O Pôr do Sol com as derradeiras vistas,
Dos que morreram como eu vou morrer...
“E ele – pobre passante das calçadas da Avenida e da Lapa de outros tempos – morreu assim, a tossir sangue, a mirar a agonia da tarde, pelas vidração de uma enfermaria de hospital, a curtir ânsias, mágoas, pesares, abismais dores de noite sem fim...”
Bibliografia Consultada
- Arquivos do médico Welligton Paes
- EIGENHEEH, Emílio Maciel. Max de Vasconcellos: O Poeta da Agonia – Zn- Fólio – Rio de Janeiro – 2012.