Um seriado muito instigante me ocupou a semana. Trata-se de “Marte”, série didático-científico-ficcional, produzida pela National Geographic, em exibição agora na Netflix. Os três aspectos presentes na série se misturam com harmonia, e especula-se dois aspectos de uma futura colonização em Marte: o científico e o comercial. Na primeira temporada, chega ao planeta vermelho uma equipe de seis cientistas astronautas, cada um na sua especialidade com uma missão eminentemente científica, entre as quais procurar água e, consequentemente, vida no áspero e inóspito solo marciano.
O roteiro propriamente ficcional se desenrola com o drama da sobrevivência dos cinco astronautas, pois um morre já no segundo episódio. Os problemas técnicos, os fenômenos não previstos e a manutenção das engenhocas que geram os requisitos fundamentais da sobrevivência da missão — água, oxigênio e energia — os ocupam o tempo todo e vão nos ensinando um pouco de ciência.
Já a parte documental é feita de forma bem diligente, com depoimentos abalizados de cientistas sobre todas essas questões com o conhecimento que se tem hoje sobre uma missão tripulada dessa natureza. E dosagens abundantes de ciência sobre o nosso próprio planeta vão mantendo nosso interesse, episódio a episódio.
O formato prossegue na segunda temporada, três anos depois de a primeira missão ter desembarcado lá, com pouquíssimo progresso e muita frustração numa equipe já atormentada com os dramas deixados na Terra e bastante multiplicada com novos integrantes que foram chegando em missões subsequentes.
A novidade nesta segunda temporada é a chegada de uma missão patrocinada pela iniciativa privada com objetivos nada científicos, mas exploratórios das riquezas minerais marcianas. Com objetivos capitalistas, inteiramente capitalistas. Isso quer dizer: Vamos levar o que pudermos de Marte para satisfazer a ganância dos acionistas da Lukrum, empresa fictícia que patrocina a exploração, encabeçada por um inescrupuloso líder que, nos seus embates com os cientistas, parece ter desprezo pela segurança e a vida se isto for um obstáculo ao lucro. E, claro, não importa o planeta, como nunca importou a própria Terra, no quesito exploração sustentável.
Os comentários dos especialistas, com depoimentos de ativistas, dão a esses novos episódios um tom político, centrado no aquecimento global e na responsabilidade dos governos que negam o problema, por quererem atender à demanda capitalista de exploração dos recursos.
No final dos anos 1950, quando tem início a exploração espacial, foi estabelecido um acordo entre as nações, segundo o qual os domínios extraterrestres conquistados não poderiam pertencer a ninguém, mas à humanidade. Com base nesse documento, que nunca previu que a iniciativa privada um dia pudesse vir a fazer explorações espaciais de qualquer natureza, a série investe na construção de uma hipótese futura de Marte vir a sofrer os mesmos danos que o nosso planeta vem sofrendo, com a exploração desenfreada.
Este seriado parece não ter importância, pelo menos para as gerações imediatas, pois quem se importa com Marte se hoje já nos falta água e as temperaturas, a precipitação das chuvas e as secas já são um alerta suficiente de risco para a vida na Terra, e tomar um foguete para Marte será um “luxo” muito reservado?
É que a discussão sobre Marte tem foco na Terra e serve como painel amplo e demasiadamente didático para o que estamos passando. A exploração capitalista, sob o olhar complacente dos governos, é a única responsável pelo desequilíbrio climático. A série pôs foco na ação perturbadora das grandes corporações que exploram o petróleo no Ártico, logo no Ártico, que sofre com o aceleramento do degelo, numa clara prova de que a Terra está, sim, aquecendo, com claros indícios de que isso resulta da ação do homem e não apenas de um ciclo natural.
Um foco privilegiado é concedido à militância do Greenpeace, ONG mundial com atuação em mais de 50 países, que luta contra a exploração desenfreada dos recursos naturais e seu lastro de destruição ambiental.
Na série, um dos problemas-chave enfrentados por ambas as missões é o súbito aparecimento de um vírus mortal, primitivo o suficiente para ser combatido com a simples penicilina, que não trouxeram para o solo marciano. Cá na Terra um vírus mortal foi despertado após o degelo da tundra, cujos efeitos já se fazem sentir, mas sob o sigilo absoluto do governo russo, que é pra não alarmar e não atrapalhar a exploração do petróleo. Outro episódio marcante na série foi um terremoto (ou marcemoto) provocado pela exploração do subsolo de uma região aquosa com explosivos... Saldo: vários mortos, incluindo o chefe da missão comercial, e o encerramento da missão.
Marte é um planeta distante, rochoso, sem atmosfera e sem vida, mas que parece ser muito frágil diante das garras do monstro capitalismo.