Existem quatro tipos de política de cultura: eventual, populista, autoritária e democrática. Eventual é aquela baseada em eventos. É a mais comum em Campos. Os prefeitos mudam, mas a política cultural apresentada em tópicos, que não se articulam entre si, continua. O novo prefeito não foge à regra. Sua política para a cultura resume-se a um elenco de itens que não se relacionam ou não remetem a uma estrutura. Exemplo: “Promover as próximas bienais, utilizando como modelo a VI Bienal, realizada na praça do Santíssimo Salvador” e “Fomentar (na Educação de Jovens e adultos) o acesso a tecnologias educacionais e atividades recreativas, culturais e esportivas”.
Já a política populista utiliza a cultura de forma centralizada para valorizar um governante personalista. Ela pode perfeitamente ser combinada com a política de eventos. Com Garotinho, assisti à ascensão dessa política. Ela é formulada de improviso, como se nascesse de um rompante. Acorda-se um dia com uma ideia “genial”, que pode render votos, e cuida-se de implementá-la. Exemplo: “acordei com uma ideia genial. Vamos promover um festival de rock.”
Por sua vez, a política autoritária visa controlar a sociedade por meio da cultura ou controlar a cultura de acordo com intenções autoritária. O exemplo mais recente é o de Bolsonaro, que aparelha as instâncias responsáveis pela proteção e promoção cultural de modo a usá-las para seus fins. Não foi inocente o discurso de Roberto Alvim, secretário federal de Cultura, que plagiou Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler. Uma política autoritária de cultura também pode combinar-se com uma política de eventos.
Mesmo uma política democrática não dispensará os eventos, mas os apresentará de acordo com princípios que não podemos ver, mas podemos avaliar em consonância com as ações governamentais. Primeiramente, procede-se a uma avaliação dos interesses populares antes de formulá-la. Depois, os gestores de cultura organizam os dados obtidos segundo dois princípios: verticalização e horizontalização da cultura.
Vivemos numa sociedade estruturada em classes. Estaremos fora da realidade se pretendermos criar uma sociedade sem classes para formular uma política cultural democrática. A União Soviética e a China acabaram caindo em políticas autoritárias alegando que faziam políticas democráticas. Assim, verticalizar a cultura significa atender a todas as classes sociais. Trata-se de prestigiar desde uma orquestra sinfônica a um desfile de carnaval.
Horizontalizar a cultura significa levá-la a todos os rincões do município, seja prestigiando manifestações locais, seja levando cultura aos habitantes mais afastados do centro. Mas a cultura tem duas vertentes: a patrimonial e a promocional. Uma verdadeira política cultural democrática deve valorizar as duas vertentes. Manifestações imateriais, como a Cavalhada de Santo Amaro, por exemplo, devem ser protegidas com bastante sutileza para não intervir na iniciativa popular. As materiais compreendem documentos escritos, bens móveis e bens imóveis. Para protegê-los, o município deve, no mínimo, contar com um arquivo, um museu e um serviço de proteção aos bens imóveis.
Já a vertente de promoção cultural cuida de estimular a produção cultural: música, dança, teatro, artes plásticas, literatura etc. Para a implantação de uma estrutura de cultura democrática, o ideal seria criar uma secretaria de Cultura. Entendo que a secretaria de Educação, Cultura e Esporte está sobrecarregada. Pelo menos a cultura poderia sair dela, sem perder o diálogo com a educação e o esporte, e merecer a atenção de uma nova secretaria. Sei que vozes contrárias retrucarão, alegando que Campos tem muitas secretarias. Pelo organograma, tem 11. Haveria lugar para mais uma.
Fundações não são instituições adequadas para gerenciar a cultura. Elas continuariam existindo para a captação de recursos financeiros. Conselho também não e órgão executivo. Como o nome diz, conselho tem função consultiva e deliberativa. Tanto o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural quanto o Conselho Municipal de Cultura deveriam assessorar a inexistente secretaria municipal de Cultura, que teria dois departamentos: um de proteção ao patrimônio cultural e outro de promoção cultural.
Ao primeiro, estariam subordinados o arquivo, o museu, a biblioteca e um serviço de proteção aos bens culturais imóveis. O segundo cuidaria de teatros, música, dança, Bienal do Livro, concursos literários, promoção das artes plásticas etc.
No último mandato de Zezé Barbosa, tentou-se promover a horizontalização da cultura com as Casas de Cultura do interior. Seriam sete ao todo, até necessidades ulteriores. Mas ficou-se apenas com a de Goitacazes, hoje bastante longe de suas finalidades originais e à beira da ruína.
Com uma estrutura orgânica de cultura, seria possível atender a todos os setores e evitar esse pinga-pinga de propostas desarticuladas que se confundem com os setores de educação, turismo e esporte. Mas não estamos preparados para isso. O governante entende que seu plano de governo é superior à Lei Orgânica e ao Plano Diretor. E nós, produtores de cultura, também não sabemos lidar com esse tipo de organização. Queremos aquilo que nos atenda pessoalmente.