Matheus Berriel
30/11/2020 14:32 - Atualizado em 30/11/2020 15:06
Se Wladimir Garotinho (PSD) cumprir o que indicou durante a campanha, os desfiles das escolas de samba, dos blocos e bois pintadinhos de Campos voltarão ao período original do calendário a partir de 2022 — não há perspectiva de Carnaval na época oficial em 2021 devido à pandemia da Covid-19. Em entrevista ao Folha no Ar, da Folha FM 98,3, no último dia 5, o agora prefeito eleito comentou o desejo de buscar alternativas para que a festa popular deixe de acontecer fora de época.
— A partir do momento em que a gente se programa, corre atrás de projetos incentivados, de parceiros privados para realizar o Carnaval de Campos, é possível que seja feito (desfile no período oficial) — disse Wladimir.
Segundo o então candidato, há interesse de sua parte de conversar com outros prefeitos para incentivar a realização de um evento no Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop) reunindo agremiações carnavalescas de Campos e municípios vizinhos.
— Acho que a gente tem que ter um Carnaval regionalizado. Campos tem estrutura, tem o Cepop. Assim como, no Rio de Janeiro, todo o Grande Rio de Janeiro faz o Carnaval no sambódromo, todo o Carnaval da região pode ser aqui em Campos, no Cepop. Tem estrutura para isso: para a gente poder fazer uma festa bonita, poder trazer grandes patrocinadores, poder trazer o povo de outras cidades para cá, para comemorar, fazer a festa popular que ela é — projetou Wladimir. Ainda no Cepop, ele prometeu instalar uma Escola Municipal de Arte e Cultura, com objetivo de ocupar o espaço o ano inteiro.
No programa de governo do prefeito eleito, é citada proposta de revitalização no entorno do Palácio da Cultura, além da criação de uma editora para publicar obras de interesse do município e reeditar obras raras sobre a história campista; elaboração de um plano para valorização do Cais da Lapa como ponto turístico; realização das próximas Bienais do Livro; restauração e disponibilização de documentos pertinentes à história do município; diálogo com órgãos competentes visando preservar a arquitetura eclética da cidade; criação de um calendário permanente de festas tradicionais; fomento ao acesso a tecnologias culturais; implementação de um Espaço da Arte nas escolas da rede pública municipal; e implantação de gestão público-privada de turismo e relações intergovernamentais para definir ações de divulgação e atração de turistas, com foco, entre outras áreas, na cultura local.
Confira os itens culturais presentes no programa de governo:
• Promover a revitalização do entorno do Palácio da Cultura, em conformidade com projeto já elaborado e que consta na secretaria de Obras, aplicando as devidas medidas de segurança previstas em Lei, como prevenção a incêndios, além de devolver ao prédio sua condição de referência no âmbito cultural, apoiando e incentivando o artista, agente e produtor do município e os seus projetos. Devolver à população o acesso ao Palácio da Cultura, a começar pela Biblioteca Municipal Nilo Peçanha, por meio da informatização e atualização do acervo, após recuperá-lo.
• Criação de uma editora com a finalidade de publicação de obras de interesse do município, pela criação de um conselho editorial que deverá atuar junto ao Conselho Municipal de Cultura, além da reedição de obras raras de memorialistas e historiadores, cujo foco seja a história campista;
• O Cais da Lapa precisa e merece atenção, com a elaboração de um plano envolvendo turismo, educação patrimonial, segurança, com o objetivo de transformá-lo em um lugar que abrigue eventos voltados para a família, à preservação do Paraíba, além do reconhecimento do local como monumento histórico da cidade por meio de um memorial, via Projeto de Lei;
• Promover as próximas bienais, utilizando como modelo a VI Bienal, realizada na praça do Santíssimo Salvador;
• Promover a restauração e a disponibilização de documentos pertinentes à rica história de Campos a fim de que o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho cumpra plenamente sua função de salvaguarda do aparelho histórico, em conformidade com os órgãos afins (Coppam - Inepac - Iphan);
• Promover o diálogo entre o poder público municipal e a sociedade civil, o Instituto Histórico e Geográfico de Campos e os órgãos competentes em níveis estadual e federal (Inepac e Iphan), com o objetivo de preservar a arquitetura eclética campista;
• Criar calendário municipal permanente e apoiar as festas tradicionais do Santíssimo Salvador, Santo Antônio, São João Batista (Fundão), Santo Amaro, São Sebastião, Nossa Senhora dos Navegantes, Morro do Coco, Santa Maria e Santo Eduardo;
• Fomentar (na Educação de Jovens e adultos) o acesso a tecnologias educacionais e atividades recreativas, culturais e esportivas;
• Implementar o Espaço da Arte nas escolas, com projetos voltados para artes, música, dança, teatro, pintura, animação cultural, bandas e fanfarras e atividades esportivas;
• Implantar gestão público-privada de turismo e relações intergovernamentais, definindo marketing e ações de divulgação e atração de turistas, com consolidação de inventário, definição de calendário permanente de festas, eventos, feiras, festivais, atrações e pontos turísticos. Valorização do turismo em suas diferentes vertentes, como o ecológico, rural, arquitetônico, de negócios, religioso, cultural e histórico, com portal digital para levar ao Brasil e ao mundo portfólio do potencial do município na área.
Não será preciso inventar o caminho
Em tempo marcado por desmonte da cultura no Brasil, e com o setor fortemente impactado pela pandemia da Covid-19, a eleição de Wladimir Garotinho (PSD) mobiliza produtores culturais em Campos, com olhares atentos para as propostas de campanha e as decisões que serão tomadas pelo prefeito eleito. É quase unânime o entendimento de que o primeiro passo deve ser respeitar as diretrizes do Plano Municipal de Cultura, citado por quatro dos cinco entrevistados pela Folha. Confira o que pensam sobre o posicionamento cultural de Wladimir o professor e pesquisador Marcelo Sampaio, presidente do Conselho Municipal de Cultura (Comcultura); os historiadores Aristides Arthur Soffiati e Sylvia Paes; a professora Kátia Macabu, primeira presidente do Fórum Regional de Cultura do Norte Fluminense; e o diretor teatral Fernando Rossi, atualmente à frente do Teatro de Bolso Procópio Ferreira.
Opiniões:
No momento, temos em atividade em nossa cidade três conselhos municipais que atuam mais diretamente com o patrimônio cultural: o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam), sobretudo com o patrimônio arquitetônico; o Conselho Municipal de Cultura (Comcultura), com as políticas públicas de cultura; e o Conselho Municipal de Meio Ambiente e Saneamento (Comansa), lembrando que o ambiente natural é patrimônio cultural. Portanto, se o prefeito eleito ouvir e acatar os conselhos, ele estará realizando políticas públicas que respondem aos anseios da população, isso porque os conselhos têm representação paritária e os representantes da sociedade civil são eleitos em conferências municipais democráticas. O Comcultura acaba de entregar à Câmara Municipal o Plano Municipal de Cultura com vigência para os próximos 10 anos.
Penso que Wladimir tem pela frente a tarefa mais difícil em relação às políticas públicas locais, uma vez que herdou de sua mãe as maiores dívidas nesse setor para com a população. Portanto, restaurar o mal é a sua tarefa, e ele deixa claro em seu plano de governo para essa área, quando fala do Palácio da Cultura e das Bienais do Livro, por exemplo. Ele tem “cartas” fortes nas pessoas de Avelino Ferreira, Dr. Edson e Auxiliadora Freitas, que, na Câmara Municipal, salvaram alguma coisa da cultura local no momento do desastre. (Sylvia Paes, historiadora)
Espero que Wladimir Garotinho, eleito prefeito para a gestão 2021-2024, escolha para ocupar o cargo da cultura (quiçá uma secretaria de Cultura) alguém que reúna atributos e competências para essa finalidade: capacitação em gestão cultural, disposição para a escuta e o diálogo com a sociedade civil, e conhecimento dos fundamentos, diretrizes, objetivos, metas e ações do Plano Municipal de Cultura de Campos dos Goytacazes (2021-2031), que está tramitando no Executivo com vistas à aprovação pelo Legislativo. Não será preciso “inventar” o caminho. Ele já está delineado nesse documento, construído por muitas mentes e mãos desde a I Conferência Municipal de Cultura, realizada em 2006. Será preciso disponibilizar recursos para o Fundo Municipal de Cultura, realizar parcerias para apoiar as ações culturais e se relacionar com o Conselho Municipal de Cultura de forma transparente diante do seu papel consultivo, propositivo e deliberativo. Assim, começará a estruturar a cultura do município de forma equânime, e teremos, finalmente, uma política cultural e não política de eventos, que pouco deixa como legado para a população. Campos dos Goytacazes já não suporta mais ter sua cultura colocada de forma menor. Somos grandiosos como história, patrimônio e, principalmente, como agentes e trabalhadores da cultura. Fazemos parte da cadeia de desenvolvimento de toda a nação. E isso não é pouco. (Kátia Macabu, presidente do Fórum Regional de Cultura do Norte Fluminense)
Enquanto agitador cultural e presidente do Conselho Municipal de Cultura (Comcultura) de Campos dos Goytacazes, espero que o prefeito eleito Wladimir Garotinho, em primeiro lugar, comece a colocar em prática o primeiro Plano de Cultura do nosso município, que acaba de ser elaborado pelo nosso colegiado. Quanto às propostas culturais por ele apresentadas, considero imprescindível a ideia de se devolver à população o Palácio da Cultura, com protagonismo das atividades culturais, e discordo do projeto de um Carnaval regionalizado no Cepop, por esta manifestação de cultura popular ser essencialmente enraizada nas suas comunidades. (Marcelo Sampaio, presidente do Conselho Municipal de Cultura de Campos)
As propostas dos dois candidatos (Wladimir e Caio Vianna) para a cultura do município foram tópicas e pontuais. Eles não sabem pensar a cultura de forma orgânica. De certa maneira, eles perpetuam a política de eventos culturais de seus pais e de antigos prefeitos. Nenhum dos dois propõe a montagem de uma estrutura para a cultura. Creio até que eles não saberiam falar sobre cultura se fossem apanhados de surpresa. Suas propostas devem ter sido formuladas por assessores. Mas, deixo consignada a minha melancolia com os produtores de cultura do município. Eles não sabem pensar a cultura de forma orgânica, também caindo no eventualismo. Existe ainda uma outra questão: promessa é fácil de fazer. Cumprir é difícil. (Aristides Arthur Soffiati, historiador)
As propostas apresentadas pelos dois candidatos à Prefeitura de Campos dos Goytacazes deixam diversas lacunas por não apresentarem uma política cultural abrangente que atenda aos diversos segmentos artísticos da cidade. Acredito que se faz necessário manter um dialogo aberto com todos sem discriminação. É importante ouvir o Conselho Municipal de Cultura na busca de um norte para ações efetivas, o conselho já tem um diagnóstico de todos os segmentos. A expectativa é que a nova gestão não privilegie apenas um determinado grupo, como também respeite e dê um tratamento digno para todos. Importante neste momento preservar a liberdade de expressão e os espaços e aparelhos culturais abertos e em perfeito funcionamento. (Fernando Rossi, diretor teatral)