Muitos poetas tiveram seus textos musicados, entre eles, podemos citar: João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade, Florbela Espanca e a poetisa carioca Cecília Meireles; estas duas tiveram versos musicados pelo cantor e compositor Raimundo Fagner. No entanto, quando se fala da relação entre a poesia e a música, o maior nome é Vinícius de Moraes, poeta também nascido no Rio de Janeiro. Mister trazer à luz que Cecília Meireles e Vinícius de Moraes são os principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro.
Voltando à música, quem nunca ouviu os seguintes versos: “Olha que coisa mais linda/ Mais cheia de graça/ É ela menina/ Que vem e que passa...”? Ou estes: “Um velho calção de banho/ O dia pra vadiar/ Um céu que não tem tamanho/ E um arco-íris no ar”? E estes: “É melhor ser alegre que ser triste/ A alegria é a melhor coisa que existe/ É assim como a luz no coração”? São versos de Vinícius de Moraes, poeta cujo centenário foi amplamente festejado, em todo o Brasil, no ano de 2013, inclusive, na nossa Academia Campista de Letras (ACL), com evento de beleza ímpar. Este ano, Vinícius completaria 107 anos.
Vinícius de Moraes é um dos mais famosos compositores da música popular brasileira, sendo um dos fundadores do movimento musical Bossa Nova, que influenciou diversos de nossos compositores e cantores. No ano de 1956, Vinícius de Moraes publicou a peça teatral “Orfeu da Conceição”, levada ao palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com enorme sucesso. A referida peça continha músicas do Vinícius e de Tom Jobim, outro grande nome da MPB. Alguns anos depois, João Gilberto juntou-se a esta dupla, surgindo o movimento supracitado, qual seja: Bossa Nova.
A partir desse momento, Vinícius dedicou-se, cada vez mais, à carreira de cantor e compositor, compondo e fazendo espetáculos com ilustres parceiros: gente do naipe de Dorival Caymmi, Tom Jobim, Edu Lobos, Baden Powell, Toquinho, Chico Buarque, entre outros.
Imprescindível destacar que, além da poesia sensual, Vinícius também teceu poesia social. O poema “Operário em construção” (1956) é exemplo dessa fase. Por meio de uma linguagem simples, o poeta manifesta solidariedade às classes oprimidas e deseja conscientizar aqueles que o leem ou o escutam. Recordemos alguns versos deste poema: “Era ele que erguia casas/ Onde antes só havia chão./ Como um pássaro sem asas/ Ele subia com as casas/ Que lhe brotavam da mão”. O poema “Rosa de Hiroshima” interpretado, de forma brilhante por Ney Matogrosso, também possui viés social. A seguir, alguns versos deste poema: “Pensem nas crianças/ Mudas telepáticas/ Pensem nas meninas/Cegas inexatas/ Pensem nas mulheres / Rotas alteradas/ Pensem nas feridas/ Como rosas cálidas”. De acordo com os especialistas em literatura brasileira, os poemas de Vinícius voltados para a temática social obtiveram o mesmo grau de popularidade que as composições voltadas para o amor.
Segundo os que tiveram o privilégio de conhecer o poeta, as duas principais paixões de Vinícius de Moraes foram as mulheres e o uísque. Vinícius casou-se numerosas vezes e a cada show consumia copos e copos de uísque. Quem não se lembra da frase: “O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado”? Aliás, Vinícius morreu de cirrose, aos 67 anos de idade, deixando um grande legado intelectual.
Percebe-se, pois, que o encontro entre a poesia e a música é bastante frequente. O mestre baiano Caetano Veloso, na canção “Outro retrato”, brinca com o binômio “música” & “poesia”. Verbis: “Minha música vem da música da poesia de um poeta João/ que não gosta de música/ Minha poesia vem da poesia da música de um João músico/ que não gosta de poesia...”. E em Campos dos Goytacazes? Será que existe algum exemplo desse encontro? Sim, são muitos. Ilustrarei, apenas, citando as músicas “Sonho Meu”, “Alvorecer” e “Acreditar”, de autoria do campista Délcio Carvalho em parceria com Dona Ivone Lara. Délcio teve suas letras cantadas por grandes nomes da música brasileira, tais como: Elizeth Cardoso, Caetano Veloso, Nana Caymmi, Gal Costa, Maria Bethânia, Elza Soares, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Clara Nunes, Alcione, Dona Ivone Lara e pelo também campista Roberto Ribeiro, entre outros. Eis os versos de Alvorecer: “Olha como a flor se acende/ Quando o dia amanhece/ Minha mágoa se esconde/ A esperança aparece/O que me restou da noite/ O cansaço, e a incerteza/ Lá se vão na Beleza deste lindo alvorecer/ E este mar em revolta que canta na areia/ Tal a tristeza que trago e minh’alma canteia/ Quero solução sim.. pois quero cantar/ Desfrutar desta alegria/ Que só me faz despertar do meu penar/ E este canto bonito que vem da alvorada/ Não é meu grito aflito pela madrugada/ Tudo tão suave... liberdade em cor/ O refúgio da alma vencida pelo desamor.” Impossível negar que se trata de poesia!
Consigno que, a partir de 1960, Vinícius afasta-se da poesia e entrega-se, definitivamente, à música. Brindarei o leitor com um depoimento do genial poeta Carlos Drummond de Andrade, publicado em LP, lançado pela Som Livre, em 1980, no qual afirma que Vinícius faz “poesia em forma de música”. Ipsis litteris: “A plena realização do amor era, a seu ver, a razão da vida, e a poesia era um meio de tomar conhecimento e de espalhar esta verdade. Sua vida foi a ilustração do seu ideal poético. Ele queria um mundo preparado para o amor, livre de limitações, pressões, humilhações sociais e econômicas. Ora, um ideal desta ordem é, certamente, naturalmente eterno, e Vinícius o defendeu com muita eficácia, quer na poesia pura quer na poesia em forma de música.”
Há quem diga que a poesia brasileira perdeu um grande poeta para a música popular. Ouso divergir! Penso que ganharam a poesia e a MPB, pois os versos de Vinícius são música, e sua música revela poemas fascinantes.