Em 1960, o grande Astor Piazzolla voltou para Buenos Aires, vindo dos Estados Unidos, país em que morou por muitos anos, onde sua carreira continuou a prosperar. Chico Buarque de Holanda conta que Astor fez uma música para que ele colocasse letra, baseado na grande admiração que o músico argentino tinha pelo Chico. Chico enrolou tanto que causou uma tremenda indignação em Piazzolla, a ponto de ele querer partir para briga, detido pelo Tom Jobim na entrada da Rede Globo, onde Caetano e Chico tinham um programa semanal.
Astor, esse músico espetacular, tocou em locais magníficos, em grandes orquestras, e gravou uma variedade de discos, continuando a compor pelos próximos 10 anos e, no auge de sua carreira, se movimentando com frequência entre Nova York e Buenos Aires, apresentando-se em lugares de prestígio como o Carnegie Hall. O nuevo tango de Piazzolla era diferente do tango tradicional, em sua incorporação de elementos de jazz, em seu uso de harmonias estendidas e dissonância, no uso do contraponto e nas aventuras, em formas composicionais, que davam distinção ao tango que ele criou, estabelecendo o que podemos chamar de “O tango argentino, antes e depois do Piazzolla”. Como observou o psicanalista Carlos Kuri, a fusão do tango de Piazzolla com essa ampla gama de outros elementos musicais ocidentais reconhecíveis foi tão bem-sucedida que produziu um novo estilo individual que transcende essas influências.
São precisamente este sucesso e a individualidade que tornam difícil determinar onde residem influências específicas em suas composições, embora alguns aspectos sejam claros: o uso do contínuo em uma linha de baixo circulante e sequência harmônica, inventada e muito usada na música barroca dos séculos XVII e XVIII, mas também central para a ideia de “mudanças” do jazz, predomina na maioria das composições maduras de Piazzolla. Outra referência clara ao barroco é o contraponto muitas vezes complexo e virtuosístico, que às vezes segue um comportamento fugitivo estrito, mas com mais frequência simplesmente permite que cada artista no grupo afirme sua voz. Outra técnica que enfatiza esse senso de democracia e liberdade entre os músicos é a improvisação, que é emprestada do jazz no conceito, mas na prática envolve um vocabulário diferente de escalas e ritmos que ficam dentro dos parâmetros do mundo sonoro estabelecido do tango.
Pablo Ziegler, uma espécie de imediato, foi particularmente responsável pelo desenvolvimento deste aspecto do estilo dentro dos grupos de Piazzolla até a morte do compositor. Em 1985, Piazzolla é nomeado um cidadão excepcional de Buenos Aires, e infelizmente morre em 1992, deixando para trás mais de mil obras. Antes disso, em 1937, Astor Piazzolla e sua família retornam a Mar Del Plata, onde o tango tem grande destaque na cena cultural. Embora Piazzolla tenha dificuldade em abandonar o jazz americano que dominou sua vida na América, ele mergulha no tango argentino e forma um quarteto, por um certo tempo, antes de se mudar para Buenos Aires no intuito de tentar obter uma posição em uma das orquestras do país. Em Buenos Aires, Piazzolla consegue um emprego como integrante da orquestra Anibal Troilo, como bandoneonista, tornando-se posteriormente seu arranjador. A banda era extremamente popular na Argentina, e sua posição era de muito prestígio! Para Piazzolla, seu tempo como parte da orquestra Troilo foi importante: “Aprendi os truques dos tangeros, aqueles truques intuitivos que mais tarde me ajudaram. Eu não poderia defini-los tecnicamente; são formas de brincar, formas de sentir; é algo que vem de dentro, espontaneamente.”
Durante este tempo e pouco depois, Piazzolla decide se dedicar à composição, estudando Bartok, Stravinsky e jazz. Nos próximos anos, sua música tem uma fusão estranha, mas fantástica, de tango e clássico. Adicionando constantemente fugas, contrapontos e harmonias excêntricas em suas composições, cinco anos depois, Piazzolla percebeu que sua música estava em um degrau diferente e decidiu se concentrar no clássico. Seguindo essa ideia e após ganhar uma bolsa, mudou-se para Paris para estudar música com a compositora francesa Nadia Boulanger. Quando Astor começa a aprender com Nadia, ele fica realmente envergonhado com seu passado não clássico de tango, inicialmente escondendo isso dela!
Em 1955, Astor Piazzola volta para a Argentina com sua família. Naquele ano, ele formou sua orquestra, o Octeto Buenos Aires. Embora a nova banda não tenha durado muito, foi muito importante para o desenvolvimento do Tango Nuevo, desafiando a ideia do quinteto de tango tradicional com dois bandoneons, dois violinos, um baixo, um violoncelo, um piano e, vejam só, uma guitarra elétrica. Esta combinação incomum de instrumentos marcou o início do Tango Nuevo. “Fusing together the worlds of classical music, jazz and tango”, a revolução de Piazzolla em contraposição ao tango tradicional que gerou críticas ferozes de muitos, mas ele continuou a desenvolver o gênero com novos ritmos, efeitos sonoros, contraponto de cordas, excelentes solistas e uma guitarra elétrica improvisada.
Em 1958, Piazzolla se mudou para a América, onde sua experimentação com o Tango Nuevo continuou na forma de infusão de jazz. Eventualmente ganhando aclamação mundial na Europa, no Japão e na América, este novo estilo de tango fez de Piazzolla um verdadeiro superstar! Este foi apenas o começo de uma carreira musical muito bem sucedida, prolífica e inovadora. Isto é Astor Piazzolla, o lendário compositor de “Adios Nonino”.
Maestro Ethmar Filho – Mestre em Cognição e Linguagem.