A menina estava sentada na beirada da cama, os pés balançando no ar enquanto as mãos para trás apoiavam o corpo. Observava o movimento da mãe preparando-se para sair.
Os olhos curiosos seguiam cada gesto, parecendo querer para si a novidade do mundo adulto. Elza, a mãe, virou-se e perguntou à filha se queria passar batom. O brilho que iluminou o rostinho foi seguido de um sim cheio de felicidade. Abriu bem a boca, tornando o ato quase impossível de ser feito sem borrar. Pediu para ver, e a mãe, pegando-a no colo, levou até o espelho do banheiro.
— Estou igual a você, não é mamãe?
—Mais linda, filha. Muito mais linda.
Sorriu orgulhosa imaginando-se mulher.
—Agora volte para lá, porque preciso terminar de me arrumar.
—Mãe, você guarda esse vestido para eu usar quando crescer?
—Claro, amor. Tudo que tenho será seu.
Recordava-se desse dia como se estivesse acontecendo agora. O vestido não existia mais. Nada era como naquela época.
Estava atrasada, precisava ajeitar a casa antes de sair. Sua funcionária não apareceu e para variar, não avisou que faltaria.
Deixou o filho na escola depois de preparar o café para eles e o marido, que também já saíra.
A roupa suja, colocou na área de serviço; a louça, havia lavado, e as camas, feitas. Não gostava de bagunça ou sujeira. Tinha um prazer enorme em ver sua casa em ordem e cheirosa. O marido costumava mexer com ela sobre sua mania de limpeza e organização. Ao contrário da mãe, que nunca se preocupava muito. Se a empregada não fosse trabalhar, ficava tudo do mesmo jeito até que ela resolvesse voltar. Dizia que não fora feita para isso. Serviços domésticos a entediavam e quebravam suas unhas. Sua mãe tinha um humor que a divertia. Ou irritava.
Muitas vezes ela mesma arrumava a casa, e quando pegava a vassoura para varrer, Elza ria, dizendo que era muito bom ter uma filhinha que cuidava de tudo.
Olhou o relógio e viu que ainda tinha algum tempo. Resolveu fazer uma macarronada para o almoço, era mais rápido e aproveitaria a carne assada que sobrara do dia anterior. Quando o filho e o marido chegassem, apenas esquentaria a comida.
Lembrou novamente da mãe, que nunca aprendeu a cozinhar.
— Já pensou, eu com manchas de queimaduras nos braços e mãos? Deus me livre, porque minha pele é muito clara. E depois, se fizer o serviço de Laura ela fica sem utilidade nessa casa, e, se não precisarmos mais dela, coitadinha, vai viver de quê?
E ria, sua mãe estava sempre rindo. Ria de si mesma e de tudo o que ocorria à sua volta.
Só a vira zangada e triste uma vez. Quando descobriu que o marido estava saindo com outra mulher.
Chegando do colégio, encontrou a mãe trancada no quarto, de camisola, o cabelo desfeito e chorando. Perguntou o que havia acontecido. E apesar dos seus dez anos, Elza contou com detalhes o que descobrira. Foi a vizinha quem falou para ela. O pai era um safado, arranjara uma vagabunda, que, claro, só devia estar interessada no dinheiro dele. Os dois estavam se divertindo bem debaixo dos seus olhos.
— Pensa que vai ficar assim? Vou quebrar a cara deles. Ou matar.
Abraçou a mãe, e esta pediu que a socorresse pensando no que fazer, porque amava aquele desgraçado e não permitiria que uma qualquer se metesse na vida dos dois. Não tinha idade suficiente para ajudar e mesmo que imaginasse algo, não teria tempo para expor. Elza teve uma ideia, levantou da cama e vestiu-se para matar, como ela mesma informou. Avisou que ia sair, mas não demoraria.
A mãe estava linda quando passou pela sala e fechou a porta. Duas semanas depois ouviu Elza conversando com uma amiga.
— Segui meu marido e descobri onde se encontravam. Esperei ele sair e toquei a campainha. Sangue frio, minha cara, porque nessas horas é preciso. Quando aquelazinha abriu, vi o sorriso estúpido. Já entrei enfiando a mão na cara dela. Bati muito. Uma magrela baixinha que não aguentava um tapa. Dei vários. E avisei: última vez que encosta essa mão nojenta no meu marido. Fique sabendo que se houver próxima, vai ser muito, mas muito pior.
Sei não amiga, mas acho que ele acabou com as visitinhas que fazia. Chega cedo à casa, me faz um excesso de carinho, e fui convidada para uma segunda lua de mel. E ria...
* * *
Pegou as chaves do carro e saiu. Parou em frente ao portão da clínica. Verificou se as frutas e o bolo estavam direitinho dentro da bolsa. Ela sempre gostou de bolos caseiros. As enfermeiras já a conheciam.
Procurou na sala a poltrona onde a mãe a esperava. Abaixou ao lado, e deu um beijo em sua testa. Acariciou o rosto enrugado e tirou uma fatia do bolo. Os olhos parados não a reconheciam, mas assim que sentiu o sabor do doce na boca, Elza sorriu.