Alcimar das Chagas Ribeiro
- Atualizado em 10/11/2020 12:39
Vivemos um ano de total complexidade. Uma pandemia de abrangência mundial, que se instalou gerando evidentes dificuldades no campo socioeconômico, cujos reflexos são agudos no aprofundamento da desigualdade social e da pobreza globalmente.
É nesse contexto que o país escolhe os representantes políticos para os seus mais de cinco mil municípios. O território fluminense, mais especificamente as regiões Norte e Noroeste Fluminense, com os seus traços de heterogeneidade, se encontram nesse mesmo turbilhão e serão o objeto da nossa análise.
As diferenças marcantes entre os 22 municípios das regiões podem ser observadas através do que podemos classificar de acidente histórico. Cinco desses municípios são produtores da bacia petrolífera de Campos, que se consolidou na corrida à autossuficiência de petróleo do país em 1975, a partir da descoberta do campo de Namorado, o primeiro gigante da plataforma continental brasileira (LUCCHESI, 1998).
O mesmo acidente histórico ampliou, de sobremaneira, os orçamentos desses municípios em função das transferências de royalties e participações especiais, como verbas compensatórias da exploração de petróleo. Com o tempo, essa condição gerou um sentimento de injustiça em relação aos outros municípios, culminando em uma nova proposta de redistribuição de royalties no país.
Entretanto, a Lei 12.734, de novembro de 2012, teve o seu dispositivo suspenso por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Recentemente, foi fixada a data de 3 de dezembro deste ano para o seu julgamento, porém uma forte pressão das lideranças do estado do Rio de janeiro culminou com a retirada de pauta do mesmo processo pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), sem definição de uma nova data.
Mesmo assim, a situação é de grande apreensão, já que esses municípios produtores não responderam às expectativas da população, apesar da condição orçamentária diferenciada. Mesmo afastado o risco imediato da redistribuição dos royalties, o quadro fiscal continua grave, porque a produtividade da Bacia de Campos é declinante e sem perspectivas de retorno à condição de abundância anterior. Especialmente a situação de Campos dos Goytacazes, o maior município do território, com um orçamento bilionário e uma população um pouco acima de 500 mil habitantes.
Esse quadro de dificuldades, à luz dos embates políticos para as eleições dos novos representantes municipais, tem possibilitado a formulação de propostas diversas para reverter a condição socioeconômica dos mesmos municípios. Em função da formação econômica histórica do território, os municípios dependentes das rendas petrolíferas vêm defendo o investimento no setor agropecuário como alternativa ao problema, depois de ter deixado a atividade por muitos anos em segundo plano.
Considerando o ano base de 2010, a área colhida em hectare no estado regrediu 48,13% em 2019. A região Norte Fluminense regrediu ainda mais, ou seja, 55,73%, e a região Noroeste regrediu 39,07% no mesmo período. Já na pecuária leiteira, podemos observar uma queda de 11,62% no volume produzido de leite no estado do Rio de Janeiro, uma queda de 22,0% na região Norte Fluminense, e uma queda de 20,91% na região Noroeste Fluminense, considerando o mesmo período (IBGE).
Vejam que o prévio diagnostico não é nada animador, e a lembrança da importância do setor como possível alternativa aos graves problemas de ordem socioeconômica, por si só, não adianta muito. É preciso mostrar como esse setor, com as suas muitas deficiências, pode se materializar na alternativa tão falada pelos líderes da região.
As diversas análises sobre o setor convergem para o mesmo resultado. Estamos falando de um setor econômico importante, em função do número representativo de pessoas envolvidas e da sua relevância na produção de alimentos. Poderíamos afirmar que o setor é muito mais do que atividades estritamente econômicas, já que assume um papel social de extrema relevância, dada a possibilidade de fixar o homem no meio rural, além de sua inserção no trabalho.
Na verdade, a atuação do setor segue parâmetros tradicionais de cunho microeconômico, onde são identificados elementos, tais como: mercado com características de oligopsônios, unidade produtiva com escala individual, baixo padrão de informação e conhecimento, difícil acesso ao crédito compatível com o negócio, custos altos de produção, informalidade elevada, baixo padrão tecnológico, baixo padrão de produtividade e frágil capacidade competitiva. Mesmo apresentando bom nível de volume de produção, o setor agropecuário nas regiões Norte e Noroeste Fluminense não gera um padrão de riqueza suficiente para projetar o quadro de desenvolvimento regional esperado.
A partir da identificação de gargalos importantes e inibidores do avanço qualitativo do setor, a contribuição dessa proposta vai no sentido da formulação de um novo modelo operacional nos moldes de uma reestruturação produtiva, o que muda totalmente a natureza dos processos produtivos.
Uma primeira observação é de que a competitividade é primordial em qualquer negócio, já que no sistema capitalista prevalece o mercado. Daí não existir dúvidas de que um setor que opera nas condições já identificadas anteriormente não tem nenhuma chance de sobrevivência. Aliás, basta ir ao supermercado mais próximo e poderá verificar que produtos alimentícios da mesma natureza dos que produzimos no território são importados de outras partes do país. Pasmem, até a merenda escolar, em municípios como Campos dos Goytacazes e São João da Barra, é comprada de outros estados.
Uma segunda observação nos leva a pensar na necessidade de mudança na estrutura produtiva, onde a ação individual deve ser substituída pela ação coletiva. Trata-se de um sistema de organização produtiva a partir da visão de redes, com predominância para a eficiência coletiva que, segundo Nadvi (1997), deve ser considerada como elemento ativo das economias externas marshallianas. No caso específico, as externalidades positivas, envolvendo tanto aspectos tangíveis como intangíveis, podem ser internalizadas a partir da cooperação entre os agentes e atores de interesse local.
De forma bastante simples, a ideia é construir uma rede de proteção para que o setor possa eliminar os gargalos existentes. A interação entre universidade, governo e firmas (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1997) deve ser idealizada e planejada para o fortalecimento do ambiente econômico fragilizado, identificando os recursos tangíveis e intangíveis, elaborando o planejamento e estratégias com foco na produção de produtos e serviços de base no conhecimento e consequente valorização. O olhar sistêmico para o ambiente econômico local, priorizando o contexto mesoeconômico, é uma alternativa que exige o comprometimento coletivo no processo de absorção do fluxo de capital e na geração de valor para a economia local (RIBEIRO E HASENCLEVRE, 2019).
Essa complexa estrutura, entretanto, exige “Capital Social”, elemento que molda o desempenho das instituições sociais de acordo como os atores confiam uns nos outros. Segundo Putnam (2005), esse comportamento de cooperação e regras de reciprocidades tende a superar os dilemas coletivos nas comunidades cooperativas. Essa questão parece ser um problema a resolver no território em análise.
A superação desse problema pode ocorrer com a implementação do modelo da hélice tríplice (interação universidade – governo – empresa) como instrumento de planejamento, onde um processo de governança se estabeleça em torno de uma atividade, inicialmente como projeto piloto. Uma proposta é pensar o projeto piloto a partir da produção leiteira, dentro dos princípios já discutidos. A figura a seguir sistematiza analiticamente o modelo, considerando como base o sistema de produção local/territorial, onde deve se materializar a escala. O planejamento deve ter início com a identificação dos recursos tangíveis e intangíveis do território em análise, em um segundo momento a implementação de ações estratégicas para formação de capital social, seguido pela formação de economias de aglomeração e o planejamento e gestão da produção integrada.
A implantação do modelo expande a cadeia produtiva, criando elos adicionais de agregação de valor ao produto comercializado em seu primeiro estágio. A nível de informação, o produto final que a cadeia açucareira no território representa é maior 3,73 vezes que o valor da cana-de-açúcar, matéria prima principal do processo.
A proposta aqui formalizada tem como insumo de base a produção leiteira, que deve avançar a jusante para diferentes produtos derivados. A justificativa está em sua grande relevância em termos de volume. A produção leiteira na região Norte Fluminense atingiu 84.453 mil litros em 2019, e a região Noroeste produziu 105.958 mil litros, acumulando um total de 189.411 mil litros no território, equivalentes a 43,8% da produção total do estado no mesmo ano.
São 93.079 cabeças de vacas ordenhadas na região Noroeste Fluminense e 61.885 na região Norte Fluminense. O total de 154.964 vacas ordenhadas nas mesorregiões equivalem a 46,79% do total de vacas do estado. A produtividade regional atingiu 1.222,29 litros/vaca/ano em 2019, volume menor 6,29% em relação à produtividade no estado e menor 42,95% em relação à produtividade no país.
Os números apresentados mostram que existe muito espaço para o crescimento dessa atividade nas regiões indicadas, o que poderia afetar, positivamente, a expansãodo emprego e da renda, com reflexos na redução da desigualdade e pobreza. A evolução gradativa das atividades poderia afastar a dependência das rendas petrolíferas, no caso dos municípios produtores de petróleo, e modernizar os sistemas econômicos dos municípios que vivem das atividades tradicionais.
*O autor é economista, pós-doutorado em economia, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf)
Referências bibliográficas
TZKOWITZ, H.; LEYDESDORFF, L. (eds.) Universities in the Global KnowledgeEconomy: A Triple Helix of University- Industry-Government Relations,London: Pinter, p. 197-201, 1997.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.https://www.ibge.gov.br/
LUCCHESI, Celso, F. Petróleo. Estudos Avançados 12 (33), 1998.
NADVI, K. The cutting edge: collective efficiencyand international competitiveness in
PUTNAM, R. Comunidade e Democracia: A Experiência da ItáliaModerna. 4.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005, 257 p.
RIBEIRO, A e HASENCLEVER, L. Investigação sobre a capacidade de absorção de externalidades positivas geradas por grandes projetos no Estado do Rio de Janeiro. Rev. Econ. NE, Fortaleza, v. 50, n. 2, p. 133-145, abr./jun., 2019.