Herbson Freitas: Saldanha da Gama, o nosso Almirante
*Herbson Freitas - Atualizado em 27/10/2020 12:56
Luís Filipe de Saldanha da Gama
Luís Filipe de Saldanha da Gama / Le Monde Illustré
Na vida dos povos, as circunstâncias às vezes se arrumam de modo a produzir símbolos marcantes na nacionalidade, e eles ficam no céu da memória da Pátria como estrelas guiadoras dos seus destinos.
Campos é uma terra pródiga de vultos notáveis e de acontecimentos inesquecíveis. É, sem dúvida alguma, como diria o conhecido professor campista Hélio de Freitas Coelho, “um chão de história”.
Vultos extraordinários como José Carlos do Patrocínio — o “Tigre da Abolição” —, Nilo Peçanha — um dos grandes estadistas brasileiros — e Benta Pereira de Souza — heroína campista, exemplo de mulher guerreira — nasceram em Campos e marcaram brilhantemente as páginas da história do Brasil.
E, por fim, na sequência dos vultos históricos, Luís Filipe de Saldanha da Gama, o nosso Almirante que, no dizer de Luís Murat, “foi o espírito mais culto, a inteligência mais sedutora, a educação mais fina, mais lapidada, mais artística da nossa Marinha”.
Saldanha da Gama foi — e o é historicamente —, inegavelmente, um desses gênios protetores da nossa Pátria. Um dos nossos pró-homens, grande líder, impoluto militar, um dos maiores defensores da liberdade no Brasil.
A VIDA
Luís Filipe de Saldanha da Gama nasceu em Campos, no dia 7 de abril de 1846, na chácara de propriedade de seu pai, na Beira-Rio, hoje avenida 15 de Novembro, casa que já não existe mais e que tinha o nº 259. Filho do fazendeiro dom José de Saldanha da Gama, homem inteligente e de prestígio na Corte, e de dona Maria Carolina Gomes Barroso, filha do coronel Sebastião Gomes Barroso, respeitável proprietário rural da época.
A vida de Luís Filipe em Campos foi de sete anos; livre, sem acontecimentos importantes, entre a chácara da avenida 15 de Novembro e as fazendas Colégio e Tocaia, ambas de propriedade de seu pai.
A infância nas terras campistas durou pouco tempo. O menino nascido em Campos, batizado na velha matriz de São Salvador pelo cônego João Carlos Monteiro, pai do abolicionista José Carlos do Patrocínio, cujo termo de batismo poderá ser comprovado nos arquivos da hoje Basílica Menor do Santíssimo Salvador, deixou de residir em nossas plagas em 1853, partindo com destino ao Rio de Janeiro, onde, mais tarde, despontaria para a grandeza do Brasil.
EDUCAÇÃO
No Rio, começou a estudar com o seu próprio pai, dom José de Saldanha da Gama, matriculando-se, seis anos depois, no segundo ano do Colégio Pedro II.
Aos 15 anos — fim de 1860/61 —, passa do Colégio Pedro II para a Academia da Marinha. Em 1861, é feito praça de almirante e guarda-marinha. De 10 de dezembro de 1861 a 21 de fevereiro de 1862, faz a primeira viagem de instrução a bordo do vapor Ipiranga; de 15 de dezembro de 1862 a 21 de janeiro de 1863, a segunda viagem de instrução na corveta Dona Januária. Em 27 de novembro de 1863, embarca na Bahiana, para fazer o quarto ano de aplicação, regressando ao Rio em 1º de outubro de 1864.
A LUTA
Com sua formação acadêmica completa, Luís Filipe parte para a guerra aos 18 anos, embarcando na corveta Amazonas, que chegou a Montevidéu en 28 de outubro. Em 4 de novembro, embarca no Recife, navio este que ostentava a insígnia do Almirante Tamandaré. Em 3 de dezembro, Tamandaré toma posição no posto de Paissandu, e Luís Filipe, como porta-bandeira do batalhão naval, participa ativamente do desembarque, para em seguida regressar ao “Recife” e, logo depois, cooperar, de bordo do Taquarí, na retomada de Uruguaiana, e ficar em Itaquí, estacionado na flotilha do Alto Uruguai, até 1867, num período de 19 meses.
Uma vida de lutas, de sofrimentos e de glórias assinala a história de Luís Filipe de Saldanha da Gama, que teve atuação decisiva na guerra do Paraguai, e que, por amor à sua Pátria e por levar uma vida dedicada também aos livros, pouca condição teve de desfrutar o amor de sua esposa, Emília Josefina de Melo, de quem se separara pouco depois de casado.
A GUERRA DO PARAGUAI
A carreira de Luís Filipe de Saldanha da Gama na Marinha foi das mais fascinantes e brilhantes, motivada pela sua inteligência e pelo seu dinamismo de lutador.
A guerra do Paraguai foi a prova de sua fibra de líder, bom estrategista e valente marinheiro, além de poder mostrar a coragem do povo campista.
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O campista acorreu célere à chamada de voluntários para a guerra e logo, em 28 de janeiro de 1865, pelo vapor Ceres, seguiu a primeira turma. Antes de findar o mês de fevereiro, ainda mais três embarques de voluntários de Campos fazia se notar, sendo um a bordo do Ceres, um pelo Galgo e outro pelo Presidente.
De cerca de 3 mil voluntários, apenas 300 voltaram vivos. Entre estes figurava, Luís Filipe de Saldanha da Gama, que, então guarda-marinha, teve a honra de ser porta-estandarte do contingente que o Almirante Tamandaré fez embarcar para auxiliar as forças que assediavam Paissandu. Com tal bravura se portou que seu nome foi citado na Ordem do Dia.
A GLÓRIA
O nosso Almirante foi, de fato, uma honra para a Marinha e para o Brasil. Inteligência rara, educação fina, elegância ímpar e liderança de comando autêntica. bacharel em letras, fez o curso da Academia da Marinha, onde ingressou aos 15 anos, sempre galgando postos até o de contra-almirante.
O homem que “honrava e glorificava o nome brasileiro”, como dizia Afonso Celso, teve o seu fim no dia 24 de junho de 1895, em Campo dos Osórios, no Rio Grande do Sul, novamente lutando em defesa do Direito, da Liberdade e da Justiça, quando foi assassinado pelos irmãos Tambeiros, a lançadas, tombando heróico e bravamente por um ideal.
Assim foi o nosso Almirante Saldanha da Gama. E assim era efetivamente. “Para identificá-lo, desnecessário seria destacar-lhe o nome: o ‘Almirante’ era ele, somente ele, embora outros colegas de igual patente refulgissem no quadro de oficiais superiores da Armada”. Essa observação é de Oliveira Rodrigues, que diz mais: “mas o fato é que, quando alguém se referia ao ‘Almirante’, todos sabiam tratar-se de Saldanha da Gama”.
Diz também Oliveira Rodrigues que “esse prestígio, esse fascínio, essa projeção, granjeara o lendário marujo numa época em que, como ainda hoje, a Marinha era o reduto de uma brilhante aristocracia, onde os valores mentais se alteavam dominadoramente, sob a rija proteção dos mais nobres predicados e elevadas virtudes. Entre tantos vultos proeminentes pelo saber, pelo patriotismo e pela integridade moral, num momento em que a Esquadra Brasileira resumia, no esplendor de suas realizações, as glórias mais altas do Brasil, Saldanha da Gama obtinha o almirantado aos 49 anos, sobrepondo-se aos demais pela força exclusiva dos seus dotes pessoais”.
Este foi — ou é — o nosso Almirante, que tanto honramos e exaltamos, e que, como bênção divina, um dia regressará ao seu lar, para aqui ficar eternamente, ao lado de seu povo, no Panteão dos Heróis Campistas.
A MORTE
Sempre é bom se saber mais algumas coisas. Aqui está um ligeiro relato da morte de Saldanha da Gama, ocorrida em Campo dos Osórios. Trata-se de um episódio bastante controvertido, mas que não poderia deixar de ser mencionado, nesta oportunidade, como lembrança da luta cerrada entre federalistas e governamentistas, no período 1846/1895.
O Almirante Saldanha da Gama, em Campo dos Osórios, no Rio Grande do Sul, cumpriu o que dissera em seu famoso manifesto de 7 de dezembro de 1893, quando afirmava: “espero poder cumprir o meu dever até o sacrifício”.
E foi o que aconteceu. Só, mas com garbo e muita valentia, enfrentou os irmãos Tambeiros, para em seguida ser lanceado covardemente, no dia 24 de junho de 1895.
A morte do nosso Almirante poderia ser resumida aqui com as palavras de Ramiz Wright: “Campo dos Osórios deixou de ser um campo de batalha para ser a triste reprodução do Gólgota. Que a história escreva em letras de bronze que esse acontecimento, que lhe manchou as páginas, não foi um combate porque foi uma tragédia. Saldanha da Gama entrou na luta como um herói e saiu da morte como um santo”.
HONRARIAS
Afirma Oliveira Rodrigues, um de seus biógrafos, que “a natureza jamais acumulou, numa só criatura, tantas prendas raras. As iluminações do seu espírito, retraindo-se sobre a estrutura metálica do seu nobre caráter, produziram um tipo de elite, desses que os deuses abençoam e os séculos recolhem o nome, para o culto ardente e majestoso das gerações humanas”.
Luís Filipe de Saldanha da Gama foi um exemplo de homem, militar e guerreiro que deve ser seguido por todos os brasileiros de dignidade. Por tudo o que fez, Saldanha da Gama foi exaltado Cavaleiro da Ordem de São Bento de Aviz, Comendador da Ordem da Rosa e da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, Cavaleiro da Ordem do Cruzeiro, Senhor da Medalha da Campanha do Paraguai, do Duplo Dragão da China, da Rendição de Uruguaiana e do Mérito Militar.
Representou o Brasil na Exposição Internacional da Filadélfia, em 1867; de Viena, em 1876; e na Continental de Buenos Aires, em 1882. Foi diretor da Escola Naval, delegado ao Congresso Marítimo Internacional, em Washington.
CAMPOS ESPERA
Campos espera — repetindo -— receber de volta, de tantas lutas e merecidamente coroado de glórias, o seu filho querido Luís Filipe de Saldanha da Gama, que, segundo Alberto Lamego, foi “um dos mais puros, mais nobres, mais leais espíritos de que se ufana a História Brasileira”.
No Panteão dos Heróis Campistas, ao lado de vultos que lá estão, dentre eles José Carlos do Patrocínio, o nosso Almirante poderá dormir o sono eterno dos bons e justos, tendo a companhia inseparável daquele que dele dissera: “Era um tipo como os contemporâneos de Benevenuto Cilene, tão sedutores no salão como intrépidos na luta, tão namorados da vida elegante como dos louros do combate”.
Enfim, quem lutou como o Almirante Luís Filipe de Saldanha da Gama lutou, não será esquecido, sobretudo pelos que o estimaram e o admiraram, como também certamente pelos que conservam sua imagem inteligente e de bom lutador.
Campos espera — e um dia o receberá —, depois de longos anos, feliz e de braços abertos, o seu Almirante, que tem livros, busto, medalha, rua e clube, e que regressará mais campista ainda, e para quem não poderiam faltar essas palavras de entusiasmo e cálida exaltação!
EM TEMPO: Resumo histórico escrito na ocasião dos traslados dos restos mortais de Saldanha da Gama para o Panteão dos Heróis Campistas, fato que não ocorreu, graças a Deus, porque senão seus restos mortais estariam abandonados na podridão lamentável desse monumento. Coitado dos que lá estão!

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