Existe um roteiro básico nos filmes de ficção científica que nos acompanha desde a década de 1920, pelo menos. Ele se repete, com variações. O primeiro filme a desenvolvê-lo de forma plena foi “O mundo perdido”, de 1925, baseado em livro de mesmo título escrito por Arthur Conan Doyle, pai de Sherlock Holmes. Em linhas gerais, trata-se do seguinte: o processo de transformação da natureza (o que chamamos de evolução) elimina floras e faunas, dando lugar a outras; mas, em lugares recônditos, remanescentes de faunas extintas sobrevivem isoladas e ignoradas. Por acaso ou intencionalmente, elas são descobertas por aventureiros ou cientistas. É comum elas já serem conhecidas por povos nativos também ignorados pelos “civilizados”. Um desses animais é levado ao mundo desenvolvido e mantido com segurança máxima para ser exposto em público e render dinheiro. Mesmo sob controle absoluto, ele foge e faz um grande estrago na cidade antes de fugir ou ser morto.
Em “O mundo perdido”, o animal é um brontossauro, que acaba fugindo pelo rio Tâmisa. Em “King-Kong”, de 1933, o roteiro se repete, assim como em suas refilmagens. Numa ilha desconhecida vive um povo que cultua um grande macaco como divindade, oferecendo-lhe sacrifícios humanos. O gorila gigantesco convive com dinossauros. É capturado por aventureiros ocidentais e levado para Nova Iorque, onde se apaixona pela mocinha. Apresentado ao público com fins lucrativos, ele acaba fugindo, sequestrando a mocinha e sendo abatido por armas de fogo. Esse é sempre o drama dos animais. Em “Monstro de um mundo perdido”, de 1949, o roteiro é uma variação de “King-Kong”. Mas, há nele uma inovação fundamental: entra em cena Ray Harryhausen, o mestre do stop-motion.
Em resumo, a fauna de outro tempo continua vivendo em nosso tempo, mas em lugar recôndito. Ela transita à força de um espaço a outro. Esse espaço pode estar muito distante, como um planeta do nosso sistema ou de outro. Ray Harryhausen também produziu o grande monstro de “A 20 Milhões de Milhas da Terra”, de 1957. Neste filme, o “monstro” pega carona na primeira nave espacial terráquea que chega a Vênus e vem aterrorizar a Terra. A lista de filmes em que o perigo vem do espaço é longa. Fiquemos apenas com “Allien”. “Parque dos dinossauros” ilustra a continuidade de faunas extintas e ressuscitadas em nosso planeta.
O comentário desta quarta-feira (6) refere-se a “O vale proibido”, filme de 1969 dirigido por Jim O’Connoly. Não existiam ainda efeitos especiais computadorizados. Eles eram produzidos pela técnica do stop-motion. Modelos flexíveis em miniatura eram fotografados em posições diversas. Cada fotograma fixava um movimento do modelo. Depois, colocados em movimento, os fotogramas davam vida ao boneco. Mais uma vez, entra em cena o lendário Ray Harryhausen. O roteiro não apresenta novidades. Num vale de difícil acesso, habita uma fauna extinta. Um tempo antigo existe num espaço proibido. Um Eoipos, mais antigo ancestral do cavalo, é encontrado no vale e levado para exibição pública. Harryhausen cria um animal lindo e amoroso. Um paleontólogo está à procura do local em que vivem animais já desaparecidos. Um aventureiro se une a ele e os dois buscam o local. Um atrás de fama no mundo científico. O outro, interessado em ganhar dinheiro. Uma velha xamã os adverte inutilmente do perigo.
O vale é encontrado. Há de tudo nele. Harryhausen promove briga de tiranossauro com apatossauro. Em “Mil Séculos Antes de Cristo”, de 1966, ele opera a fantástica cena de um pterossauro agarrando a opulente Rachel Welch, alçando voo e a levando para seu ninho. Em “O vale proibido”, três anos depois, ele repete a cena com a mocinha.
Um “monstro” é capturado e levado para uma pequena cidade mexicana, onde deverá ser exposto ao público com fins comerciais. Mas, o dinossauro foge e encurrala a população numa igreja, que será quase totalmente destruída pelo “monstro” iconoclasta antes de ser morto.
No meio desse drama social, insere-se uma história de amor. Filme previsível e esquecível não fosse pela arte de Ray Harryhausen.