Arthur Soffiati: Norte do Rio de Janeiro pelo enfoque da eco-história (II)
Arthur Soffiati 06/10/2020 11:21 - Atualizado em 06/10/2020 11:22
Com a chegada dos europeus às terras americanas em 1498 e 1500, uma nova etapa da história da América tem início. Primeiramente, os europeus representados por espanhóis e portugueses não descobriram nada. Povos provenientes da Ásia pelo estreito-istmo de Bering já haviam alcançado o continente americano pelo menos há 15 mil anos. Esses povos chegaram primeiro a um continente jamais habitado por humanos antes. A América foi a última porção de terra do planeta a sentir o peso do pé humano. A palavra originário, tão em voga no momento, também não cabe para eles porque sua origem é asiática. Na verdade, eles chegaram primeiro que os europeus, mas não tinham noção de que descobriam algo. Foi o preconceito europeu de que a Europa representava a única civilização da Terra que levou espanhóis e portugueses a proclamarem que eles descobriram um continente inculto.
Os povos que habitavam o território correspondente às atuais regiões Norte e Noroeste Fluminense integravam a grande nação indígena macro-jê, que se estendia pelo norte do atual estado do Rio de Janeiro, pelo sul do Espírito Santo e por boa parte de Minas Gerais. Esses povos viviam numa economia mista de paleolítico e neolítico, ou seja, coletavam, pescava e caçavam, mas conheciam a agricultura — embora não a praticassem sistematicamente — a cerâmica e o polimento de pedra. Sendo uma economia de subsistência, eles desenvolveram modos de vida em equilíbrio com os ecossistemas.
Colônia
Quando, em 1532, o Brasil foi dividido em capitanias hereditárias, sistema de colonização já aplicado com êxito nas ilhas do Atlântico pertencentes a Portugal, Pero de Gois recebeu a capitania de São Tomé, cujos limites costeiros foram fixados no rio Macaé (supostamente) e no rio Itapemirim (claramente). Seu donatário parece ter subido o rio Paraíba do Sul pouco além da foz à procura de um terreno adequado para a instalação de uma sede. Ele não explica os motivos de buscar outro terreno e se instalar na foz do rio Itabapoana em área de tabuleiros. Tanto ele quanto seu filho Gil de Góis desistiram da capitania. Pero a abandonou depois de fundar um núcleo urbano do tipo europeu e três engenhos de açúcar. Gil a devolveu oficialmente à coroa em 1619. Sabendo que a posse dela retornara à União Ibérica (1580-1640), sete fidalgos e os jesuítas requereram terras nela a título de sesmarias. Os sete fidalgos, vindos do Rio de Janeiro e de Cabo Frio, empreenderam três expedições de reconhecimento e ocupação em 1632, 1633 e 1634. O objetivo deles era a criação de gado para fornecê-lo ao Rio de Janeiro, cujas terras já estavam saturadas com o plantio de cana e a construção de engenhos.
Logo, a cana alastrou-se pela planície, contribuindo para a origem de Campos, enquanto a pesca está associada a São João da Barra. Ambos os núcleos urbanos de matriz europeia foram oficialmente elevados a vila em 1677. A vasta planície foi dividida em quatro grandes propriedades rurais: a da família de Salvador Correia de Sá e Benevides (Assecas), a de um herdeiro dos Sete Capitães (José Barcelos Machado), a dos Jesuítas e a dos Beneditinos. Entre elas, formaram-se alódios, pequenas posses. A economia caracterizou-se pelo extrativismo florestal, plantio de cana e lavouras de subsistência, e criação de gado.
Em 1688, o capitão José Barcelos Machado abriu, em sua propriedade (Morgado de Capivari), uma vala ligando o rio Iguaçu ao mar no ponto em que ele mais se aproximava deste. O empreendimento marcou época, pois, pela Vala do Furado (nome que recebeu), foi possível abreviar o escoamento para o mar da água de chuva acumulada na planície durante a estação úmida. Na estação seca, a vala se fechava naturalmente com a força do mar. Os jesuítas e seus escravos efetuavam a limpeza dos canais naturais, retirando deles o aguapé e o bofe, as plantas aquáticas mais frequentes ainda hoje. Com a força das águas pluviais acumuladas, bastava um pequeno rasgo na duna que se formava na praia para que a Vala do Furado se abrisse. Entre a terceira década do século XVII e o ano de 1759, quando o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas do império colonial português, a ordem religiosa cuidou da drenagem para que a grande área úmida da planície fluviomarinha permitisse minimamente a agricultura e a pecuária.
Depois da expulsão dos jesuítas, seus bens reverteram para a coroa portuguesa. A maior parte deles foi leiloada e adquirida por particulares. A baixada ficou abandonada. Alguns fazendeiros limpavam os drenos naturais no interior de suas terras, o que era praticamente inútil, pois era necessário retirar as plantas aquáticas em toda a extensão dos defluentes até a barra da Vala do Furado, que acabou recebendo o nome de Barra do Furado. Couto Reis alegava que os Senados da Câmara (Câmaras Municipais) deviam cuidar da drenagem. Sem periodicidade definida, o governo da capitania e depois da província efetuava limpezas nos defluentes.
Contudo, a economia agropastoril crescia na baixada. O Marquês de Lavradio, vice-rei do Brasil, em relatório de passagem de governo, mostrava a importância do Distrito dos Campos dos Goytacazes, pois nele a agricultura se diversificou com o cultivo de novas lavouras. A indústria, embora primária, também cresceu com a multiplicação de engenhos de açúcar, aguardente e álcool. No fim do século XVIII, os tabuleiros da margem esquerda do rio Paraíba do Sul já estavam em grande parte incorporados à economia regional, colonial e mundial. A zona serrana se abria com a fundação de São Fidélis. Cachoeiro do Muriaé, núcleo que deu origem a Cardoso Moreira, era uma redução indígena desde 1672.
Império
Com a transferência da capital do império colonial português para o Rio de Janeiro, D. João, Príncipe Regente, promoveu, em 1808, no mesmo ano da sua chegada, a abertura dos portos às nações amigas, beneficiando à Inglaterra particularmente. A saída de madeira nobre do Brasil aumentou. Naturalistas europeus vieram conhecer o Brasil e passaram pelo Distrito e depois Comarca de Campos. Entre eles, os alemães Maximiliano de Wied-Neuwied e Hermann Burmeister, o suíço Jacob Tschudi e os franceses August de Saint-Hilaire e Charles de Ribeyrolles. Em 1817, o padre Aires de Casal lançou o livro “Corografia Brasílica”, sistematizando as informações sobre as diversas capitanias do Brasil. O Distrito de Campos dos Goytacazes é devidamente contemplado. Em 1819, José Carneiro da Silva dedica uma famosa memória sobre a região a D. João VI. Em 1827-8, o naturalista amador sergipano Antonio Muniz de Souza residiu em Campos e registrou informações importantes.
Na década de 1830, inaugurou-se nos tabuleiros da margem esquerda do rio Paraíba a era dos canais de navegação. Foram abertos os canais da Onça, do Nogueira e de Cacimbas. O do Nogueira não foi concluído. Logo em seguida, iniciaram-se as obras do grande canal entre Campos e Macaé, em plena planície, projetado para continuar até a baía de Guanabara. Os canais não pretendiam drenar, até porque água era fundamental para eles. Mas drenaram várias lagoas. Uma de suas finalidades precípuas era transportar madeira, lenha, açúcar, aguardente e outros produtos para São João da Barra ou para Macaé, de onde eram enviados para o exterior, Salvador e Rio de Janeiro.
Mas a era dos canais foi curta. Logo eles foram substituídos pela ferrovia. Campos se tornou um tronco ferroviário importante, ligando-se ao Rio de Janeiro, a Vitória, a Santo Amaro, a Atafona, a São Fidélis e, com conexão em Três Irmãos e Portela, a Friburgo. Na margem esquerda do Paraíba do Sul, Campos ligou-se ao Noroeste Fluminense e a Minas Gerais. As locomotivas não só consumiam muita lenha como também transportavam muita madeira e lenha para a indústria.
O século XIX chegava ao fim quando se processou uma pequena revolução industrial na zona açucareira de Campos, que centrava-se fundamentalmente na planície fluviomarinha. Os antigos pequenos engenhos foram substituídos por grandes usinas e engenhos centrais importados inteiramente da França e da Inglaterra. A produtividade aumentou exponencialmente, mas a produção de cana não acompanhou esse crescimento. A escravização de africanos aumentara muito desde o século XVII. Mesmo depois de proibido o tráfico intercontinental, o comércio interno de africanos e o tráfico atlântico continuaram a sustentar a economia rural brasileira e regional. Com o fim da escravidão, em 1888, foi necessário recorrer ao trabalho livre, que era praticado em regime de quase escravidão. Por outro lado, as nações indígenas da região, todas vinculados ao grupo linguístico macro-jê, foram exterminadas ou incorporadas à sociedade, malgrado o esforço dos missionários em aldeá-las.
A moderna indústria do açúcar, do álcool e da aguardente precisava de terras para o plantio de cana, mas essas terras, em grande parte, estavam submersas pelas lagoas da planície. Cumpria drená-las totalmente. Não periodicamente como no tempo dos jesuítas, ou parcialmente, como no tempo dos canais de navegação. A República foi proclamada em 1889. A partir de então, 10 comissões de saneamento foram criadas pelo Governo Federal ou pelo Governo Estadual, como mostraremos no capítulo final.

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